Um homem e o amor pelas plantas

Todxs xs antiproibicionistas ficaram muito tristes na semana passada. E ficaram tristes o CNPq, a Universidade, os centros de pesquisas, a etnofarmacologia, a biomedicina, a etnobotânica… e as mães de pacientes usuários do óleo da maconha, ou cannabis medicinal. Faleceu no dia 16 de setembro, o Doutor Elisaldo Carlini, um dos maiores cientistas brasileiros, professor doutor da Universidade Federal de Medicina de São Paulo. Considerado o “pai” da maconha, o dr. Carlini é a maior referência no Brasil dos estudos da cannabis medicinal, de outras plantas e de outros psicotrópicos. Além dos próprios estudos, o professor orientou e estimulou centenas de pesquisas nessa direção.

Ele defendia a produção científica que gerasse benefícios para a população, sobretudo a mais necessitada. Contava que, desde pequeno, queria estudar alguma coisa típica do Brasil, para os brasileiros, talvez porque viesse de um lugar onde não tinha luz, nem médico, nem dentista. Aprendeu com sua mãe o valor das plantas medicinais e logo descobriu um potencial inesperado. Afinal, indígenas e outras comunidades tradicionais, e até as nossas idosas do povo, conhecem o poder de muitas plantas para a cura de alguns males, do corpo e da alma. Uma verdadeira farmacologia popular, natural, que não dá lucro para a indústria farmacêutica e cia., por isso é inibida e até proibida.

Desde os anos 1960, o professor Carlini desenvolveu pesquisas e criou uma farmacologia com foco na cannabis medicinal. Afinal, as referências ao poder de cura dessa planta têm registros desde 5.000 anos atrás. O homem cultivou e existem mais de 3.000 espécies, com diferentes benefícios para a saúde. Quando começou a estudá-la, havia muita propaganda contra a maconha, chamada de “erva do diabo”. Comprovado o efeito benéfico, testado inicialmente na epilepsia do homem, o cientista foi proibido de seguir pesquisando tal planta. Maior vergonha, já que o seu trabalho era feito em parceria com cientistas de vários países, principalmente Israel.
Entretanto, no seu país, o doutor Carlini foi acusado por apologia ao crime. O proibicionismo começou nos Estados Unidos – como sempre – nos anos 1920. A chamada Lei Seca proibia bebidas alcoólicas, produção e comercialização. A maconha, consumida por “minorias”, viu aumentar sua popularização. No Brasil, a maconha era considerada “coisa de preto”, lá de mexicanos e negros. Preconceitos e moralismo religioso juntaram-se aos interesses da indústria, levando à proibição na década de 1930 do uso da maconha em muitos países.

Seguiram as pesquisas. Em 1963, o cientista israelense Raphael Mechoulam, pioneiro nos estudos de aplicação da maconha medicinal no mundo, consegue isolar e depois sintetizar diversos canabinóides. Mas somente de 30 anos prá cá cresce a pesquisa e comprovação do nosso sistema endocanabinóide, um conjunto de receptores nervosos e enzimas, que trabalham como sinalizadores entre as células e os processos do corpo. Os canabinóides são sintetizados pelo nosso corpo, interagindo com esse sistema, promovendo o equilíbrio sistêmico do organismo.

Mesmo tendo os poderes comprovados cientificamente há tanto tempo, o estigma e a proibição aos diferentes usos da maconha segue. E não foi só a maconha que trouxe problemas ao professor Carlini. O preconceito com as plantas medicinais é grande, e o interesse capitalista trabalha contra. Ele pesquisou, a partir dos índios guaranis, a espinheira santa, hoje conhecido fitoterápico. Pois bem, pesquisa rigorosa como era hábito do cientista, reconhecida em todos os países. Quando teve certeza de que o produto era seguro, não conseguiu registrá-lo. Foi patenteado pelo Japão.
Nós temos no Brasil, 55 mil plantas consideradas superiores, cuja potência terapêutica precisa ser estudada. Poderíamos ter uma bela indústria nacional, a partir dessa incrível diversidade cruzada com as várias culturas e etnias, que conhecem seus benefícios. Vemos plantações oficiais cada dia em mais países.

O professor Carlini deu aulas formais e informais por esse Brasil até o fim da vida. Ia além da defesa científica, mostrando como a maconha está ligada ao preconceito racista. Falava da violência policial, da desumanidade e seletividade presente na chamada “guerra às drogas”. Com humor e amor, defendia também o uso recreativo da maconha, pois a diversão faz parte da cultura humana, é bom deixar as pessoas alegres. Dr. Carlini formou pessoas como o Padre Ticão, da Zona Leste, que chama a maconha de “planta sagrada”. O padre promove, em parceria com a Unifesp, a popularização da maconha e seus benefícios, estimulando o seu cultivo, pois é planta fácil de cuidar.

Dr. Carlini enfrentou o proibicionismo com muita coragem e sabedoria, sofreu humilhações, era um visionário incansável. O grande cientista morreu esperançoso da legalização da cannabis no Brasil e com o avanço dela pelo mundo. Crescem as associações com esse fim e, graças ao apoio também de alguns deputados, pela primeira vez a legalização da cannabis medicinal está em debate no Congresso nacional. Oxalá todos os ensinamentos do professor Carlini se espalhem e a humanidade possa apropriar-se dos benefícios da maconha, uma planta que deveria estar nas hortas das pessoas e na farmácia viva do SUS.

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de Terezinha Vicente

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