Tic-tac

Se este texto contasse com efeitos audiovisuais, teria como fundo o tic-tac perturbador da cinza das horas, do crocodilo que gostaria de devorar o Capitão Gancho ou do personagem Helge, da série Dark.

Qual efeito tem em nosotros as insistentes listas de provas incontestáveis do colapso ambiental que culmina com o processo, dificilmente reversível, da mudança do clima?
Vejamos alguns dados mais ou menos aleatórios obtidos no livro Capitalismo e Colapso Global, do Prof. Luis Marques, da UNICAMP:

Tic-tac, tic-tac. 35% dos manguezais do Planeta já estão extintos.

Tic-tac, tic-tac. O Brasil goza da péssima reputação de ter as maiores taxas de crescimento do mundo no lançamento de carbono, a maior parte oriunda de desmatamentos e queimadas.

Tic-tac, tic-tac. Até 1800 estima-se que foram perdidos 8 milhões de km² de florestas no Planeta. De 1800 a 2010, 10 milhões. O Brasil inteiro tem 8.516 milhões de km².

Tic-tac, tic-tac. Com a marcha atual do desmatamento no cerrado, de cuja área de abrangência original só restam cerca de 34%, a estimativa é de que em 2030 esse bioma desapareça.

Tic-tac, tic-tac. 55% dos municípios brasileiros, que consomem 73% da demanda de água no País, estão sujeitos à falta de água nos anos 2020.

Tic-tac, tic-tac. O Planeta perde o equivalente a 30 campos de futebol por minuto, de terras agricultáveis. Se as atuais práticas se mantiverem, todo solo agricultável será perdido em 60 anos.

Tic-tac, tic-tac. Dados de 2015 apontam que 37% da população mundial não tinham acesso a saneamento básico.

Tic-tac, tic-tac. É possível que a pegada humana de plástico seja mais perigosa do que a pegada de carbono.

Tic-tac, tic-tac. A população global, deslocada à força por desastres “naturais”, foi de 65,6 milhões, só em 2016, direta ou indiretamente.

Tic-tac, tic-tac. O Planeta perde, em média, 35 mil espécies anualmente.

Dos quase 8 bilhões de habitantes do planeta Terra, 500 milhões de pessoas mais ricas produzem metade das emissões de CO₂, enquanto os 3 bilhões mais pobres emitem apenas 7%.

Ficamos sensibilizados com esses dados? Dá um desespero? Olho pra neta, filha, sobrinha ou qualquer uma das centenas de crianças que eventualmente encontro na rua e fico em estado de agonia, pensando: elas estão previamente condenadas?
Claro que não! Desenvolvo mecanismos psicológicos para não tomar consciências da gravidade desta crise e para suportar tudo isso. Vejamos algumas das evidências que o autor acima elencou, a partir de consultas a inúmeras fontes:

1. “Aversão à perda”, o que significa em teoria da decisão, a forte preferência psicológica para evitar perdas mais do que por adquirir ganhos. Mesmo compreendendo que os custos da inação sejam maiores do que os custos de providências, a sensação de perdas, renúncias e sacrifícios pessoais, agora, parece impactar muito mais.

2. A dificuldade de compreender as consequências imediatas do colapso ambiental leva a uma perda progressiva da noção do perigo ou da energia para reagir a ele. Ficamos anestesiados por outras experiências de risco iminente cujos efeitos passaram a ser paulatinos.

3. O reforço do bloqueio cognitivo é o da dissociação entre causas estruturais e efeitos pontuais.

Vou usar esses três pontos para justificar minha inação? Talvez. Quem sabe adiar… Inspirar-me na poesia “Adiamento”, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, escrita em 1928. Aqui não cabe a transcrição completa, mas é fácil encontrar por aí. Recomendo.

“ Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
………………………………….”

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