Uma angústia permanente daquelas dos pesadelos que a gente morre afogada de mãos dados com os filhos que não conseguimos salvar. Um corredor de morte que parece não ter luz do outro lado. Uma raiva que indigna qualquer ser que tenha aquele músculo capaz de bombear sangue pelas veias que chegam com furor nos olhos.
Esse mesmo sangue, que mancha a rua, que deixa uma dor e um cheiro ocre onde jaz o corpo do menino Miguel. Preto. Na memória da mãe Mirtes. Preta.
Esse ar que não chega e mata mais de 50mil pessoas no nosso país. O ar que não chega para aqueles que nem nos números estão. Como não acordar? Como dormir de novo?
Força, só há de pedir força, que seja capaz de nos fazer mudar as estruturas. Para que essas vidas mortas e valas rasas não tenham sido em vão. Força presente no chão rachado na poesia encantada do ser. tão, força no repique do tambor que ecoa desde África, força dos mistérios dos encantados, força de nós mulheres, força de quem insiste e resiste. A força dilacerante que há na dor da fome, na raiva que move o vento que roda o moinho. Força que brota na pedra ou da imponência da sumaúma que toca o céu e cobre a terra. Força que teima em dar sentido à paixão ante o precipício. Força da artista que conta histórias para reinventar o mundo.
Força para uma nação inteira que enterra corpos, filhos e pais. Hora porque falta ar, hora porque sobra sangue. Que tenhamos todxs raiva, força e fé, que vendo as covas rasas, lutemos cada vez mais. Fé que esverdeia o mar do pesadelo e dá sentido ao acordar. Esse verde justamente pra esperançar.