Samarkanda

Este ano comemorei meu aniversário, final de janeiro, em um restaurante de Barcelona chamado “La Camarga”. Convidei poucos amigos, entre eles Cecilia que comemora o aniversário no mesmo dia que eu.

Em fevereiro, comecei a planejar uma viagem a Marrakesh, passar alguns dias antes de fazer a grande viagem que eu sonhei para a rota da seda: Samarkanda. A viagem para Marrakesh ficou marcada para 18 de março e a de Samarkanda para meados de maio. Tudo contratado: hotéis, viagem aérea etc.

Nesse meio tempo recebi o convite para o casamento de uns amigos que iria se realizar no dia 11 de junho. Tudo muito bem, até que em 14 de março as fronteiras de Espanha e de toda Europa foram quase que simultaneamente fechadas por causa da pandemia.

A viagem a Marrakesh teve que ser cancelada. O primeiro susto.

A agência de viagem que administrava a ida a Samarkanda não tinha nenhuma resposta a nos dar a não ser: esperar.

Nos primeiros quinze dias do confinamento não tínhamos ideia de quanto tempo iria durar essa situação. Até a amiga Elza, que iria defender sua tese de mestrado na Suíça sobre algum tema de biomédica, ficou todo o mês de março em suspense.

O tempo foi passando até que a agência de viagem me informou que a ida a Samarkanda havia sido cancelada. Os trâmites financeiros seriam resolvidos a posteriori.

Meus amigos que se casariam em julho também me avisaram que iriam postergar a cerimônia para setembro.

Elza teve que encarar a realidade e desistir de seu mestrado na Suíça.

Porém, o que mais me tocou foi em meados de maio. Recebi notícia da amiga que participou do almoço no meu aniversário, Cecilia tinha tido um AVC. Os amigos de Cecilia ficamos preocupados, mas não tínhamos como acompanhá-la no hospital. Depois de um dia internada, Cecilia veio a falecer. O enterro (ou incineramento) não contou com a presença de nenhum amigo.

Também não ficamos sabendo se o AVC que atingiu Cecilia foi provocado pelo Covid, já que alguns especialistas dizem que o vírus ataca a rede sanguínea e pode provocar coágulos.

Neste gosto agridoce na boca, fico com a boa sensação de ter convidado Cecilia para aquele almoço, pois foi a última vez que a vi. Ao mesmo tempo o gosto amargo da perda.

Com tudo isso, que lições a vida está nos dando nestes tempos bicudos? A primeira lição é que temos sempre que contar com o imponderável, para o bem ou para o mal.

Que outras lições ficarão depois de tudo isso? Elza poderá refazer sua tese, ainda que tenha perdido um ano de estudo, os amigos se casarão em outra data que não a programada e Samarkanda me esperará no próximo ano.

E Cecilia? E tantos outros que perderam a vida ou sofrerão as sequelas desta doença?

Penso que não é possível seguir vivendo como vivíamos antes da pandemia. Que lições aprendemos com tudo isso?

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