Como sentencia o historiador e filósofo indígena Ailton Krenak, ‘‘se você se sente parte dessa continuidade colonialista que chegou aqui, você é um ladrão’’. Uma expressão forte que muito se conecta as práticas racistas encetadas pelas instituições do estado brasileiro e as pessoas que a compõem.
Dentre estas instituições, citemos o Poder Judiciário que encarna a expressão da soberania estatal. Constitui uma das faces do poder, que conceitual e formalmente tem por razão teleológica a pacificação dos conflitos, mas não por uma perspectiva pautada na mediação ou inclinada para resoluções restaurativas, horizontais e democráticas, e sim de acordo com sua práxis produtoras de soluções assimétricas e divorciadas das questões sócio-antropológicas. É bem assim como anda, ou melhor, como sempre andou a carruagem: dura lex, sed Lex, aqui embaixo.
O assalto de bens das terras americanas em usufruto pelos povos tradicionais, como também o assassinato, seqüestro e escravização promovida pelos portugueses, espanhóis e demais europeus, sobrevivem no tempo, alimentado pela estrutura estatal, desde a era colonial até os dias atuais, supostamente, republicanos e democráticos.
Para tal se inclina o direito, o poder judiciário e demais…, ao representar e tutelar os interesses de uma minoria branca em prejuízo da coletividade de povos que resistem, apesar dos violentos e seculares ataques.
Exemplo disso é luta travada pela COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ, NOVOS GUERREIROS DO TERRITÓRIO INDÍGENA DA PONTA GRANDE, localizada na cidade de Porto Seguro, onde começou uma história chamada Brasil. Lá mesmo, quando da comemoração dos 500 anos, a tropa de choque resolveu encenar a chegada dos portugueses e as simulações reais das violências praticadas.
Mesmo em um momento de pandemia, tal comunidade foi acossada pelo Poder Judiciário em uma ação judicial que visava à desocupação de uma área que ‘‘[…] está em processo de demarcação, consoante Nota Técnica da FUNAI, Portaria de constituição de grupo de Trabalho para estudo da área dentre outros documentos dotados de fé pública, além de haver decisão do STF suspendendo todas as ações dessa natureza durante a pandemia’’ (PROCESSO: 1027730-03.2020.4.01.0000).
O poder judiciário de primeiro grau, contribuindo para o repertório da necropolítica que se volta para os povos originários, determinou a desocupação do espaço, em uma ordem absurda que fora revertida em atuação recursal, e momentaneamente faz justiça ao pleito da comunidade.
Nesta madrugada de quarta recebo com alegria esta notícia do camarada Marcelo Bloizi, um dos advogados desta batalha, por ora vencida pela COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ, NOVOS GUERREIROS. Mas não esqueçamos dois pontos: o pacificador de conflitos está lá para garantir os interesses do ladrão secular que sobrevive nas estruturas do poder judiciário beligerante e racista; porém há os bons juízes de Oyó.
Imagem: acervo Aldeia Novos Guerreiros
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