Sempre me considerei sagitário-raiz. Faço parte da bolha dos que se animam e se alimentam de sonhos e viagens astrais e reais. Contudo, rumino realizações. Sou um economista que lida razoavelmente bem com planejamento, gestão, finanças públicas, gente, engenho, cultura e arte.
Um belo dia em 1990, estreei o mapa astral. A astróloga revelou a novidade: ascendente em peixes, um pra lá e outro pra cá. Daí vieram as naturais reflexões. Ando nas nuvens e gosto de mergulhar e velejar em águas (des)conhecidas e profundas. O velho me cansa, e o novo me fascina. Sou um ser em frequente mutação. Seguidor de Raul Seixas, ou seja: “a metamorfose deambulante e esfuziante”…
Minha surpresa não parou nas águas da pescaria onírica e festiva. A comadre Thamirez me iniciou no estudo do horóscopo chinês. Lá sou dragão. Tenho asas para voar. Também servem de velas para navegar nos rios, nos lagos e no mar sem ouvir o canto da sereia. Quando estou com raiva solto o fogo de sagitário pelas ventas. Saia da frente porque o dragão de Xangô não morde, mas esquenta e arrebenta a coisa ruim e os mal-amados chorões.
No geral, sou uma pessoa tranquila, boa de conversa, de copo, de saraus e de festa. Eterno sonhador, romântico, cozinheiro, enófilo. Aprendiz de escritor resistente, democrata e tricolor persistente. Pareço bobo – até mesmo bonachão. Tenho um lado forte de criança arteira, sonhadora, sedutora e sincera. Sim é Sim. Não é Não. No meu vocabulário não cabe talvez. Também odeio puxa saquismo e falsidade.
No trabalho e nos compromissos políticos, o Sim e o Não resultam em confiança e credibilidade. Nas relações pessoais, o modo de ser, dizer e fazer se apresenta contraditoriamente. Alguns gostam e se sentem seguros ao meu lado. Outros, que vivem no mundinho das aparências, têm medo da minha essência real. Posso garimpar palavras mais suaves para emoldurar o não. Entretanto, sempre afirmarei se gosto ou não gosto. Efetivamente, a minha passagem neste mundo é clara e mostra a que veio: não é mesmo para agradar gregos e baianos.
Quem quer agradar a todos o tempo todo renuncia ao amor a si próprio. No fundo é um(a) frágil egocêntrico(a) que clama pela bondade externa, extrema e eterna. Ninguém é – e não será! – bom ou mau o tempo todo. Como seres humanos, somos imperfeitos, inacabados, em processo de mudança no vir a ser e no devir.
Transitamos diuturnamente entre o bem e o mal. Contudo, os nossos valores, princípios e ética constituem as réguas, compassos e métricas das nossas ações, reações e realizações. Nem adianta se esconder, fingir ou fugir. Somos os únicos radicalmente responsáveis por nossos atos, erros e omissões, como notavelmente nos ensinou Sartre.
Com o tempo e a maturidade aprendi que é infinitamente melhor não soltar o fogo das ventas todas as vezes que me provocam, ou tentam me atingir. Faço de conta que não percebi. Estoco o fogo da energia e da vitalidade para quem e para o que é efetivamente relevante.
Oxalá me iguale a Mujica, no sentido de aprender a queimar e a destruir a raiva e o ódio que se apossam de mim, em algumas ocasiões. Devagar e sempre respiro fundo; saio da linha de tiro. Estou aprendendo a lidar com as emoções negativas.
Aturei, na boa, 230 dias de quarentena sadia, afetuosa, criativa, inteligente. Se necessário, posso permanecer mais 230 dias em isolamento social sem traumas físicos e mentais. Felizmente, a vacina será uma realidade quando o carnaval chegar… ‘Será o que será’ magnífico Chico Buarque da alma feminina transcendente!
Confesso que estou na fase mais forte, bela, majestosa, criativa, afetuosa e amorosa da minha vida. Trabalho muito e estudo com dedicação e entusiasmo, dando o melhor de mim mesmo para resistir, esperançar, acolher, abraçar e amar. Os resultados são palpáveis – e apalpáveis.
Entre o medo e a esperança, o amor – próprio e pelo próximo – tem prevalecido. Evoé!
Adrô de Xangô
27 de outubro de 2020.
Imagem: ciranda.net
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