Rock é coisa do bem

Tem coisa que combina mais com o rock do que liberdade, paz e amor? Aprendi a sonhar com isso na virada dos anos 1960/70. Ainda no ginásio (hoje fundamental 2) comecei a perceber qual era a real do mundo. Primeira coisa séria foi abandonar de vez a igreja católica. A guerra fria estava bem quente, mas houve maio de 1968 em Paris. Tinha a guerra que os EUA faziam no Vietnã, e contra ela uniam-se os movimentos de contra cultura e de esquerda em todo o mundo. As manifestações contra esse estado de coisas passavam também pelo rock and roll e pelo consumo de drogas, tornadas ilícitas pelo interesse do mercado. O que me atraía, embora tivéssemos ali na periferia poucas informações, era o movimento hippie. Paz e Amor.

E aí teve o maior festival de rock da história, o Woodstok, nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969, no interior do estado de Nova Iorque, EUA. Foi uma demonstração do que era viver em harmonia, enfrentando chuvas inesperadas e carências básicas, numa situação onde eram esperadas 180 mil pessoas e vieram mais de 400 mil (500 mil para alguns). A maioria era hippie e veio pra viver além do melhor rock and roll, outras práticas da contra cultura, sexo livre e drogas, como maconha e lsd. Tinha ainda aquela mística indiana, yoga e meditação. Soube desses detalhes quando chegou aqui o documentário Woodstock, lançado lá em 1970. Vi seguidas três vezes.

A lista de estrelas do rock internacional era chocante, embora eu apenas começasse a conhecer alguns daqueles artistas: Joan Baez, Santana, Creedence Clearwater Revival, Ten Years After, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Joe Cocker. Comecei a lembrar disso tudo por conta do Dia Mundial do Rock, comemorado aqui semana passada, com muitos shows rolando via internet. É o que nos resta em tempos onde tudo que a gente queria nesse dia não pode, dançar muito rock and roll na sala bem lotada. Mas eu dancei muito na minha sala, ao som da live mais concorrida – Planet Hemp + Raimundos, no Festival Planeta Brasil, reuniram mais de 260 mil espectadores.

Foi uma volta aos anos 1990, quando as bandas tiveram seu auge. Aqueles sucessos me botaram prá dançar e pensar na liberdade necessária. Nunca gostei das letras dos Raimundos, machistas, homofóbicas, por isso não vou falar deles. Embora goste do som, muitas de suas falas me agridem.

Quero falar de como o rock é do bem. De como o rock é libertário. De como o rock é posicionado e manifesta o seu lado. No caso do Planet Hemp, uma mistura de rock com rap, cultura canábica e negra. Com aquela energia de dois velhos amigos se encontrando de novo no palco, D2 e BNegão entram avisando que a esquadrilha da fumaça tá na casa, convocando jardineiros e jardineiras. “Legalize já! Legalize já! Uma erva natural não pode te prejudicar”. Vão cantando uma atrás da outra, por liberdade e contra os políticos dominantes.

Devido ao nome da banda, quando divulgavam o segundo disco, em 1996/97, o grupo inteiro foi preso por suposta apologia às drogas. Mas o tiro saiu pela culatra, pois mobilizou todos os setores que lutam pela sua descriminalização e a banda foi parar nos telejornais.

Agora, 25 anos depois, eles cantam versos e palavras de ordem – Marielle, presente! Anderson, presente! João Pedro, presente! “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”, diz BNegão. “Como falar de futuro depois de falar de João Pedro?”, pergunta D2. Referia-se a próxima música, “Futuro do país”, que termina assim: “mas eu queria somente lembrar/ que milhões de crianças sem lar / são frutos do mal que floriu / num país que jamais repartiu”. Como achar que são do mal estes versos? “Os senhores de hoje em dia estão querendo proibir o pobre até de pensar”, diz o Planet Hemp. “Querem controlar, mas são tão descontrolados”.

Roqueiros não são loucos, nem do mal. Nem drogados, nem mais nem menos que os tantos dependentes de outras drogas, lícitas ou ilícitas. Meu rock é o do sonho hippie que o mercado de capitais nunca deixaria acontecer. Não seria mais simples se não houvesse guerras, nem armas e sobrasse mais dinheiro pra saúde, arte, educação? Não seria mais gostoso um mundo onde todos comessem bem e pudessem amar e produzir felizes?

A morte do rock foi decretada algumas vezes, mas tenho a impressão de que terá vida eterna. Rock é um estilo de vida, combina com rebeldia, com transgressão, com liberdade. Com a busca da paz e amor. Isso nunca vai acabar. E quem acha que é só barulho, não sabe o quanto às vezes é preciso gritar para sermos ouvidas. Roqueiros seguem com fama de drogados. E sim, muitos usam drogas, assim como muitos dos não roqueiros usam. Mas claro, defendem a legalização de todas para que cada pessoa possa escolher a sua preferida e não aquela imposta pelo mercado, pelos negócios. Isto é rock and roll. Uma questão de liberdade. E de prazer.

“Eu levo a vida e não sou levado por ela
Na luta, um bom guerreiro nunca amarela
Pra eu poder crescer, não me deixo enlouquecer
Só você sabe o que é melhor para você
(…)

Predadores, senhores que mentem
Esperem sentados a rendição
Nossa vitória não será por acidente”
(Planet Hemp – Stab – trechos)

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de Terezinha Vicente

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