O feijão em algum lugar da pedra que ronca (I)

Sábado de sol e um convite de um amigo para ‘‘bater’’ uma feijoada ‘’federal’’ na parte viva e alegre a la ‘’O Cortiço’’, onde Toquinho disse que é bom passar uma tarde, falar de amor, mas convém lembrar que é bom para saúde se esquivar das blitz’s policiais neste local poético, principalmente se você for preto.

Neste período insólito em que vivemos um clima de guerra contra o vírus, a desinformação, a besta ‘‘patriota’’, comer uma feijoada em um bairro periférico soteropolitano, ou melhor, na sua parte povão – há a parte de Vinicius e sem Vinícius de Moraes – se tornou um ato subversivo, porque além da observância das regras da OMS, acompanhada pelos gestores ‘‘BaxVi’’, o local estava em ‘‘loque dal’’ por ordem do príncipe encantado de Shrek, versão reino do Dendê.

Informo que ‘‘Gilda’’ – assim a chamarei – mesmo intocada, tem servido seu feijão e demais iguarias impondo a todos degustadores as regras de distanciamento social e outros cuidados que especialistas, decerto, copiaram dela. Subversiva talvez… mas uma mãe preta, que precisa sobreviver.

Sim… eu furei a quarentena para comer feijão e outras coisas também, e dessas experiências, uma coisa eu digo com toda a certeza, não se deve tomar decisões com fome e com tesão.

Sinceramente, eu não me arrependo, embora não recomende.

Fique em casa! Se é que tenho alguma moral depois disso.

Voltando a ‘‘Gilda’’ e seu feijão ‘‘mil grau’’. Entramos no local, tal como naqueles cassinos de filme de mafiosos em que se pede uma senha – não tinha senha no nosso caso – mas sim um cheiro de comida ‘‘raiz’’ ‘’bateno’’ certo.

Entre pedidos e esperas, as conversas giravam e tocavam na mesma ferida: racismo e violência policial.

Na mesa do lado um relato de um assalto: ‘‘Fiz meu corre de moto-taxi, os zomi me pararam, pediram documento da moto, entreguei tudo em dia… Aí um deles pegou minha carteira, viu o dinheiro, e me pediu um troco pra não levar a moto. Disse que não daria porque a moto estava em dia, o cara levou meu dinheiro todo, me deu um tapa, e foi embora com os colegas dele na viatura’’.

Em outro canto, um vociferava e ao mesmo tempo agradecia a Deus pela vida do sobrinho, um preto menor de idade que foi jogado no fundo da viatura junto com outros pretos, para receberem ‘’fantadas’’ e gás de pimenta, por que foram pegos fazendo guerra de fogos de artifício.

‘‘São duas polícias’’, concluía o parceiro que me convidou para feijoada, uma de Vinícius e outra sem Vinicius. O limite geográfico é a cor da abordagem.

No dia 05 de junho deste ano escrevi nesta coluna ‘‘Inkisses, Orixás e Voduns, mudei de idéia… Há de ser severa e sem pena!’’, questionando o porquê da revolta, sobretudo da branquitude, com o racismo em solo estadunidense, enquanto silenciam com o que ocorre aqui, uma expressão do viralatismo do brasileiro, inclusive na pauta racial.

Por mais que refute este termo – vira-lata – temos que reconhecer que a mentalidade colonial é um tumor no pensamento do brasileiro médio, que não se reconhece em identidade e sempre que ser o branco anglo-saxão-europeu sendo um não branco-latino.

Que a Pedra de Xangô ronque por justiça a nosso povo.

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Imagem: Pedra de Xangô

Imagem Capa: Feijoada

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