Marina e Nego João são meus amigos de muitas luas e raiar do dia. Sempre foram super discretos. Nunca soube que rolava um escondidinho amoroso há um par de anos.
No entanto, o fique em casa faz com que as pessoas baixem a guarda e liberem seus segredos íntimos aos amigos próximos.
Se a confissão fosse de Nego João eu iria achar que era caô, pois ele tem fama de culhudeiro. Ontem, Marina ligou e confessou que há 17 anos os dois se encontram para namorar livremente, sem caretices e freio de mão puxado.
– Como assim, perguntei?
– A gente tinha uma vibe completamente aberta. Não havia compromisso. Com a pandemia, aumentou a saudade de chamego e “discaracão”. Daí marcamos um encontro e chacoalhamos o papai e mamãe a vera!
– Juro de pés juntos que o caso de vocês jamais passou por minha cabeça poluída.
– Pois é. O povo amigo acha que Joãozito é muito bonito pra mim. Então, não desconfia que tenho predicados e substantivos para fazer meu neguinho gemer e arrepiar sem sentir dor. Ganhei coragem pra falar, porque a gente resolveu assumir de papel passado.
– O quê, Marina? Você está viajando?
– Tô falando sério, Adrô. Estamos com medo de morrer sem prazer. Assim, resolvemos juntar os trapos, os bolachões e os livros. Gostaria que você e Mag fossem nossos padrinhos.
– Embolou o meio de campo, Marina. Eu não vejo Mag há muito tempo. Onde Mag se enfiou?
– Mag mora na Chapada Diamantina desde 2010. Vida de natureba nas quebradas de Palmeiras. Depois que aposentou não quer saber de cidade grande, ajuntamento e zoada. Mas vai dançar no baile do casório dos coroas mascarados.
– Tô pastel com essa conversa sem pé nem cabeça. Essa conta não fecha, não! Falta o Nego João.
– Marina pegou o celular, discou e falou: Joãozito, nosso amigo Adrô tá fazendo cú doce! Não quer ser nosso padrinho. Nego João pediu para passar o telefone e esbravejou: Marina e eu vamos casar no dia de finados. Tá rebocado. Você e Mag vão ser padrinhos. Não aceito não, seu porra!
Depois de ouvir os dois fiquei convencido de que vai rolar um casamento surreal. Assinarei o livro no Campo da Pólvora, diante de um juiz de paz. Porém, antes de dizer sim, indaguei: por que casar no dia de finados?
– Simples, babaca! Vamos enterrar nossas almas boêmias…
Adrô de Xangô
6/10/2020.
Imagem: ciranda.net
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