‘‘Vocês são doentes. sério.’’, foi um dos vários comentários – a maioria favorável – na postagem da página @pretitudes no Instagram, sob o título ‘‘O racismo dos gays brancos’’. Esta manifestação revoltada de uma pessoa branca e gay, suponho eu, é um lugar comum quando racistas são confrontados com as suas atitudes naturalizadas de menoscabo, ofensa, humilhações contra pessoas pretas.
Lembram das ofensas do Arthur Nory contra o ginasta preto Ângelo Assumpção?
Ah gente, foi uma piada…
“O saco do supermercado é branco, o de lixo é preto por quê?”.
É a graça do racista, depreciar o outro não branco. Sem graça, em cólera e revoltadinho, são os estágios já previsíveis, quando estes se veem constrangidos pelos seus atos racistas intoleráveis.
Porém, o ego ferido do racista é bem maior que sua empatia, ou capacidade de se colocar no lugar do outro. O ofendido assume o papel do revoltado, paranóico, que vê racismo em tudo e promove discussões desnecessárias, estragando o clima que estava tão legal.
Legal, para quem mesmo?
Olha só racista, se relacionar com preto ou preta não tem o condão de lhe retirar este predicado, tal como o milagroso selo do Camargo. Você nasceu em uma sociedade que cotidianamente lhe instruiu e instrui a desprezar as pessoas pretas.
Sabe como?
Quando você demoniza as religiões de matriz africana, julga um preto sempre como subalterno no local de trabalho ou em outros espaços de poder, enxergar o ladrão no preto correndo, objetifica o corpo negro, acha que pode pegar no ser ‘‘exótico’’ para satisfação de sua curiosidade ou desejo sexual…
Por exemplo, já me perguntaram de onde foi que surgiu e quem inventou esta história de Orixá. Respirei fundo, e esperei a tempestade de Oyá passar para não da uma resposta inspirada nos trovões da rainha de Bale.
Linda e didática foi a pergunta do bispo evangélico Hermes Fernandes, ao Marcus Feliciano. Aquele líder religioso questionou se a maldição da continente africano não seriam os brancos que invadiram aquelas terras, escravizaram, mataram, estupraram, sequestraram pessoas pretas, porque ‘‘Feli’’ afirmara que havia algo ‘‘estranho’’ na África. A estranheza de Fê era aquela estúpida alusão a teoria descaradamente inventada sobre a tal maldição do povo africano, por descenderem de um dos filhos de Noé, e bla, bla, bla…
A resposta de ‘‘Feli’’ foi parecida com a de Chaves, quando sabatinado pelo professor Girafales. Um semovente faria melhor, sem querer ofende-los.
Certa feita, conversava com Yemanjá, olhando seus contornos lindos e maleáveis, quando de repente, alguém em um som gutural se dirigi a mim em tom de reclamação: Ei, cadê minha cerveja?
Não sei quem me irradiou, se Exú ou Oyá, mas de imediato lembrei-me do vídeo protagonizado por Letícia Lima e Rafael Infante, no canal do Youtube do ‘‘Portas do Fundo’’, e respondi a pessoa branca:
Não temos cerveja, mas temos rola, vai? Ah porra… preto na praia só pode ser garçom, ‘‘la ela’’?.
Observação de utilidade pública: ‘‘la ela’’ foi usado na forma eufemística, porque no dialeto soteropolitano, significa o ‘‘nome da pelada’’ ou velho e bom ‘‘desgraça’’, que se eu pronunciasse perante minha mãe, de imediato ela desferiria uma ‘‘broca’’ – tapa forte – no meu ‘‘pé de ouvido’’ ou na boca mesmo.
Me ‘‘piquei’’ em direção as entranhas de Yemanjá. Depois do mergulho e no retorno, ouvi o ruído bem baixinho, mas suficiente para escutar os protestos taciturnos, de que não precisava aquela resposta desaforada, pois é normal o preto no papel subalterno servindo o branco, e não como banhista, ainda mais ‘‘naquela’’ praia, o que seria uma insólita exceção.
A pessoa se confundiu… precisava disso?
O bom foi o tom baixinho, às alcovas, diria até com ar subversivo, diferente do imperativo feroz de alguns minutos antes. Tinha um misto de medo e respeito, preferiria o último.
Passei ao lado da sua cadeira, e de rabeira de olho vi a criatura abaixando a crista.
O gay branco, a pessoa branca da praia, o cristão racista optam por ser revoltar quando suas vestes são levantadas e o racismo é revelado. A arrogância não permite perceber o quanto é ofensivo seus comportamentos, eles preferem julgar as pessoas pretas a se autoavaliarem, e se colocarem no lugar de ouvintes respeitosos.
Nesse caso, que o poder da ‘‘rola’’ – no sentido positivo do vídeo, que ainda não decifrei, mas sempre gargalho muito quando assisto: o melhor são os comentários dos fãs – os façam mudar desta posição inexorável de racistas ofendidos, e tal como a personagem da Letícia Lima, optem por uma nova visão e comportamento, ao invés do batido e velho ‘‘x-frango sem salada’’, até porque, segundo Rafael Infante, ‘‘[…] no verão é gostoso pra comer’’.
Imagem: Fala Colega
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