Imagem: Junião
Insônia, atividades do dia seguinte, pensamentos vagabundos e a vida dos outros rolando entre os dedos que moviam a minha curiosidade vazia pela tela do celular, em busca de algo que entretece a madrugada inglória. E aí me pergunto “de novo?”… mas nunca deixou ser velho.
Numa postagem do Instagram, surge uma mensagem enigmática que aguçava minha curiosidade.
Quem era Gabriel? Mais um preto, de cabelo loiro e tatuagem, ou seja, na cartilha do racismo estrutural um exemplar de “mau elemento”. E assim o foi considerado, abordado, torturado, sim (um tiro disparado perto do ouvido é tortura)… acusado sem provas de um crime, e com pedido de conversão da prisão preventiva realizado pelo Ministério Público, órgão fiscal da lei, mas que às vezes a ignora por ter convicções. E no caso, o cara é preto, né MP?
Gabriel foi acusado de roubar um carro, sem sequer saber dirigir, como também de extorquir a vítima, tendo por prova se aparentar com um dos assaltantes que tinha o cabelo loiro, segundo uma das vítimas em depoimentos controvesos. Aquele se dirigia para sacar o seguro desemprego e deu azar de passar pelo local errado, o Centro Administrativo da Bahia, ser reconhecido equivocadamente e de repente estar algemado, convocado para encenar o ‘‘Processo’’ ‘‘kafkiano’’, tendo por enredo sua própria história.
Ser preto é muito perigoso no Brasil.
Lembra de Leno Sacramento do Bando de Teatro do Olodum, baleado pela polícia no bairro do Campo Grande por ser confundido com um suspeito de roubo?
E Leonardo Nascimento? Foi acusado, em janeiro de 2019, de cometer um latrocínio no assalto a um mercadinho, na cidade do Rio de Janeiro. Porém, Leonardo não só não participou do crime, como também câmeras mostravam que ele caminhava por uma rua bem distante do local do latrocínio no momento em que este ocorreu. Mas a mãe branca da vítima o reconheceu. Se não fossem as benditas câmeras, ah… meus camaradas, Leonardo já estaria condenado por um crime que sequer planejou.
A qualquer momento você que é preto pode ser alcançado pela malha punitiva porque o perigo social tem uma cor. São as práticas lombrosianas temperada pelos trópicos para homogeneizar a aparência do “mal”, diluída em uma cor, em que qualquer preto pode assumir o papel de bandido, mesmo sem o ser.
‘‘É ele! Eu acho…, não sei, mas só pode ser ele’’.
Gabriel teve azar, mas teve sorte também, porque acerca de si um quilombo guiado por Xangô trabalhou para lhe restituir a liberdade, e dá outra historiografia do tempo presente ao seu “Processo”.
Eu quero escrever sobre outras reflexões, mas sinto que vou morrer com a pedrinha miudinha na mão. Tenho que jogar esta pedrinha para ver se incomoda. Talvez fique com ela por um bom período, até que haja vontade real em alterar estruturalmente o modus operandi das forças policiais e de todo o sistema de justiça no Brasil, que seguem a pauta de uma necropolítica, cujo alvo é a população preta brasileira.
Enquanto isso, servirei sempre para denunciar tais práticas.
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