Juíza desobedece Supremo e dá reintegração de Terra Indígena para imobiliária

A Juíza substituta Leticia Daniele Bossonario, da Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Ilhéus-BA, desobedeceu determinação do Supremo Tribunal Federal e deferiu liminar de reintegração de posse no Território Indígena Tupinambá de Olivença à empresa Ilhéus Empreendimentos S/A, na área “Loteamento Canto das Águas”. Ela decidiu também que os indígenas devem sair em 20 dias. A decisão foi preferida no dia 07 de dezembro de 2020. [1]

278 famílias indígenas que utilizam o território serão impactadas, principalmente àquelas das aldeias Aldeia Cajueiro e Acupe de Baixo.

O Cacique Val, liderança da aldeia Cajueiro, destaca que a área em disputa, sobreposta à Terra Indígena, está preservada. Informa que ela é utilizada de forma sustentável por marisqueiras e pescadoras. E que essa decisão impacta tanto na subsistência e a territorialidade do povo, como rituais específicos, como o da lua cheia.

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“É uma área de sustento, de manutenção da vida”, comenta.

Informando que o território ocupado pelos Tupinambá, tanto na parte do litoral do lado sul, da praia, dos mangues, tudo está preservado. E destaca que especulação imobiliária vem da área Norte fazendo loteamento na área de mangue.

A advogada da comunidade, Samara Pataxó, chama atenção para a situação e destaca o repetido descumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal pelo Judiciário na Bahia, especialmente no que tange às ações possessórias no período da pandemia.

A juíza não considerou nem a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) no processo. Nela, o MPF informou que:
(1) há processo demarcatório em fase final;

(2) que o reconhecimento da terra indígena independe da efetiva demarcação; cujo ato é meramente declaratório;

(3) que há decisões tanto do TRF 1, quanto da própria subseção judiciária de Ilhéus suspendendo ações de reintegração de posse em face dos Tupinambás de Olivença;

(4) que há determinação de suspensão de ações reintegratórias de posse em face de indígenas até que se finde a situação da Pandemia de COVID-19, pelo Supremo Tribunal Federal (Decisão do ministro Edson Fachin proferida em 6 de maio de 2020 como apêndice do processo de Recurso Extraordinário 1.017.365/SC.).

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ingressou com uma Reclamação Constitucional na Suprema Corte. O processo está sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

A comunidade divulgou hoje carta de denúncia pedindo apoio explicando a situação [3]. Suas lideranças Cacique Val e Rosilene de Jesus, presidenta da Associação de Moradores e Pescadores da Aldeia, estão sob ameaças e atualmente incluídas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).

Os advogados da comunidade estão recorrendo da decisão. Argumentam que ela (a decisão) prejudica o direito originário às suas terras tradicionalmente ocupadas e afronta a decisão do STF que determinou a suspensão nacional dos processos que pudessem prejudicar os direitos territoriais dos povos indígenas, sobretudo neste período da pandemia do Covid-19, evitando o agravamento da vulnerabilidade desses povos em decorrência de possíveis reintegrações de posse.

O Território Indígena Tupinambá de Olivença

A Terra Indígena Tupinambá de Olivença encontra-se delimitada em 47.376,00 hectares. Segundo informações técnicas apresentadas pela Funai no processo em curso, a área do Loteamento Canto das Águas é de aproximadamente 616,9980 hectares, sendo que 326,2050 hectares, ou seja, 52,8% desse empreendimento incide sobre a Terra Indígena em questão.

Embora a área ocupada pelos indígenas esteja dentro dos limites do seu território tradicional, a disputa pela posse dos aproximadamente 30 lotes por parte da empresa Ilhéus Empreendimentos S/A se baseia na justificativa de que a Terra Indígena em questão ainda está pendente de demarcação, e diante disso alegam ter a posse destas terras desde 1965.

A Terra Indígena Tupinambá de Olivença está delimitada desde 2009, quando foi publicado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação, e estava tão somente aguardando a emissão da sua portaria declaratória pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, tendo em vista que não havia impedimentos administrativos ou jurídicos para obstar o andamento do procedimento de demarcação. Ocorre que o TI Tupinambá é uma das 17 terras indígenas que tiveram seus procedimentos administrativos devolvidos do Ministério da Justiça para a FUNAI para se adequarem ao Parecer 001/AGU (o qual encontra-se suspenso por força de decisão do STF até que seja julgado o processo de repercussão geral – RE 10.17365).

Nossa reportagem segue acompanhando a situação.

Notas
[1] decisão de reintegração de posse: decisao_tupinamba.pdf
[2] Nota 0001/2018 AGU sobre o TI Tupinambá de Olivença; nota_pfe.pdf
[3] Nota da Comunidade

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