Juiz Federal reitera determinação de reintegração de posse contra Pataxós, no extremo sul da Bahia

imagem: Acervo Aldeia Novos Guerreiros

Na última segunda-feira (31.08.2020), o juiz federal Pablo Baldivieso, de Eunápolis-BA confirmou decisão de reintegração de posse em favor da Sky Dream Escola de Pilotagem contra a comunidade Pataxó da Aldeia Novos Guerreiros – Terra Indígena Ponta Grande no extremo sul da Bahia. Além disso, acolheu como assistente nos autos representante da Góes Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento.
A nova decisão, confirma liminar expedida pelo próprio juiz Baldivieso em 20.08.2020, no âmbito da ação possessória nº 1001524-13.2020.4.01.3310.

A área em questão foi ocupada por 24 famílias Pataxó da Aldeia Dois Guerreiros em 20 de julho de 2020. O objetivo foi a construção de casas dos jovens da aldeia que estavam sem espaço para moradia.

O terreno ocupado está localizado dentro do local conhecido como aeródromo, na sua área de escape. Os proprietários da empresa Sky Dream Escola de Pilotagem, que utilizam a área, entraram com ação de reintegração de posse junto ao juizado federal de Eunápolis, que concedeu liminar autorizando a reintegração.

A disputa pelo território indígena Ponta Grande acontece entre a empresa Sky Dream – Escola de Aviação e os Pataxós, em parte do terreno ocupado pelo aeródromo. Segundo a sra. Maria Deusa de Almeida, uma das donas da Sky Dream, o terreno onde está o aeródromo foi cedido a ela e seu esposo em comodato, pelo sr. Joaci Fonseca de Góes. E os indígenas só chegaram lá em 20 de julho de 2020.

Apesar da declaração da proprietária da escola de aviação sobre a recente presença indígena nessa área, há processo demarcatório regular em curso, com Grupo de trabalho constituído pela presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) [1]. O GT neste momento está produzindo o laudo antropológico com objetivo de delimitar e comprovar a posse tradicional indígena. Já há relatório técnico da Funai apontando presença dos indígenas no lugar do imóvel há tempos. Segundo o relatório, os indígenas utilizam área para reprodução física, acesso às praias, coletas de alimentos e matéria prima para artesanato.[2]

O cacique Ararawe Pataxó, da Aldeia Novos Guerreiros, destaca que “sempre a gente passou por esse território”. E que vão ocupar esse espaço porque é um “direito nosso”.

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imagem: acervo Aldeia Novos Guerreiros

Após a decisão de reintegração de posse, os indígenas se manifestaram. Recebendo apoio de parentes e de diferentes movimentos. Eles continuam na área.

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imagens: acervo Aldeia Novos Guerreiros

A comunidade indígena recorreu em primeira instância. O juiz federal de Eunápolis manteve a decisão, bem como não autorizou que a Defensoria Pública da União atuasse junto ao processo. Quase ao mesmo tempo, em 26.08.2020, a presidência da Funai emitiu oficio orientando que “casos de invasão de propriedade particular por indígenas integrados não geram atuação judicial da FUNAI em prol dos grupos invasores”. Ou seja, em casos como os do TI Ponta Grande a FUNAI não atuará.[3]

A posição da presidência da Funai vai de encontro ao relatório técnico da equipe de campo do próprio órgão. Pode-se dizer que se alinha a uma postura/ideologia antiindigena apresentada pelo grupo político que encontra-se no governo federal.

Tal postura concretiza “promessas” feitas durante a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. (“Se eu assumir [a presidência do Brasil] não terá mais um centímetro para terra indígena” – Dourados, MS, 08.02.2018, por exemplo). Essa “nova Funai” diz que comunidades indígenas em territórios que não completaram 100% do processo demarcatório não merece defesa em juízo. E ainda classifica os indígenas como “índios invasores”.

A Funai atuou apenas na audiência inicial. Em seguida, o procurador que foi a audiência inicial, suspendeu suas ações. Preocupado com a ausência de atuação jurídica da Funai, o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) ofereceu apoio jurídico.

A decisão em Primeira Instância

A decisão em primeira instância descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma reclamação junto ao STF na última sexta-feira (28.08.2020).

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Mupoiba entraram no processo e recorreram em segunda instância, protocolando também na última sexta-feira agravo de instrumento no TRF-1 em Brasília.

O conflito está se agravando. A situação é de tensão.

Segundo o coordenador do Mupoiba, Kahu Pataxó, a comunidade denunciou que “supostos proprietários do Fly Club colocaram seguranças lá”. Ele completa comentando que “ a gente não pode afirmar que são seguranças armados, mas um deles é um conhecido, foi identificado, é ou é um ex-policial civil, inclusive envolvido em outras situações com a própria comunidade, inclusive já foi denunciado pela própria comunidade à corregedoria da polícia civil por atuar como segurança armado em área de conflito com comunidades indígenas”. [4]

O outro lado

A sra. Maria Deusa de Almeida, uma das donas da empresa Sky Dream Escola de Pilotagem, comentou com a reportagem que “invadiram no dia 20 de julho a área de escape (segurança) ao lado da cabeceira da pista, de 64m”.

Ela informa que procurou os órgãos competentes, mas como não foi resolvido, procuraram a justiça. “Nós estamos pedindo a nossa área, da nossa parte, da nossa terra, que estamos aqui há 29 anos”. (…) Onde estavam essas 24 famílias antes do dia 20 de julho?”, pergunta. Falou também que existia uma cerca delimitando a “nossa área” e que os indígenas tiraram toda a cerca e avançaram numa parte, da área de escape.

Sobre a posse da terra pelos indígenas, Deusa comenta que “(…) nós não chamamos de ocupações, nós chamamos de invasões indígenas. E na verdade não são índios. A maioria não são índios, A maioria tem dois, três terrenos, suas casas próprias, têm seus carros (,,,) as pessoas que estão nesse meio ficam dando de pobre coitado, mas não são pobres coitados.(…)”.

Ela denuncia ainda que “eles (os indígenas) ocupam esses terrenos e depois põe a venda”. E que “o próprio índio que estava na invasão, está anunciando terreno à 10 mil reais com o nome dele e a foto dele”. Maria Deusa concluiu comentando que “somos pessoas que estamos a 20 anos aqui, fazendo eventos, geramos emprego”.

O Sr. Joaci Fonseca de Góes é proprietário da Goés Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento Ltda. (wikipedia). Bastante influente na região, foi deputado federal e tem histórico de disputa com os indígenas na região. Em 2016, entrou com reintegração de posse tb. relacionada à Fazenda Ponta Grande (processo executório nº 0002464-34.2016.4.01.3310) e que teve no mesmo juízo teve a reintegração de posse autorizada, mas em recurso ao TRF-1, teve suspensa a ação.

A Terra Indígena Ponta Grande

A Terra Indígena Ponta Grande é composta por 6 aldeias na divisa entre os municípios de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália/BA. Nela vivem 1.200 pessoas. Os Pataxós declaram que sempre utilizaram esse território para fins de passagem e colheita. Em 2006 foram constituídas as aldeias Nova Coroa e Itapororoca num processo de retomada. A Aldeia Novos Guerreiros, foco atual da disputa, iniciou o processo de retomada do território em 2013.

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Imagem Território Indígena Ponta Grande – fonte Google

Em 2017, a Portaria nº 750/PRES publicada no Diário Oficial da União de 04/08/2017 constituiu grupo técnico com objetivo de realizar estudos necessários à identificação e delimitação da Terra Indígena Ponta Grande. Apesar do prazo de 180 dias para a conclusão dos estudos, passados 3 anos, a regularização fundiária ainda não ocorreu.

O Relatório de delimitação ainda está sendo escrito.

A informação nº 22/2020 da FUNAI registra que “As referências apresentadas pelos índios dão conta do uso ancestral da região como local de coleta e passagem para suas atividades de pesca”

A situação já teve repercussão internacional veja em TeleSur TV

Nossa reportagem segue acompanhando o caso.

para saber mais leia em

Terra em disputa: conflito fundiário contra Pataxós no Extremo Sul da Bahia reinflama
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[1] oficio circular da presidência da Funai
sei_funai_-_2415254_-_ofi_cio_circular.pdf

[2] portaria de criação de GT :
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[3] manifestação da FUNAI informando que o imóvel está dentro do Território Indígena Ponta Grande:
manifestacao_tecnica_funai_-_imovel_esta_dentro_da_ti_ponta_grande_1_.pdf

[4] Oficio do Mupoiba informando a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social das preocupações do movimento sobre a situação
oficio_no_016_2020_mupoiba.pdf

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