Hipocrisia e provocação

Hoje os noticiários da tv comercial só falam em prisões, apreensões de documentos, de brancos. Políticos. Militares. Como o tal do Queiroz, que há muito tempo deveria estar encarcerado, assim como toda a família miliciana. Assim como aquela Sara supremacista e seus comparsas… Confesso que é uma alegria, embora tardia, ver tais desumanos serem presos e investigados. Isso só começou a acontecer quando os ricos e poderosos – inclusive na mídia – decidiram que o presidente já passou dos limites e quando sentiram ameaças físicas e às suas instituições, por parte de gente armada e defensora de ideologias neonazistas.

Nos dias anteriores, os noticiários da tv e das mídias diziam da revolta dos moradores da Vila Clara, zona sul de São Paulo. O motivo era o assassinato de Guilherme Silva Guedes, 15 anos, que desapareceu e foi executado com dois tiros na cabeça – agora já se sabe até por qual policial, embora estivesse num “bico” armado. Nesse dia circularam também imagens de abordagens policiais muito violentas. Vídeos enviados para a emissora principal, que sabe muito bem, desde que foi fundada na ditadura, das mortes cotidianas nas periferias e favelas deste Brasil. Essas mortes têm classe e tem cor. A grande mídia segue defendendo a política neoliberal.

Mês passado no Rio foi João Pedro, 14 anos, assassinado dentro da casa que recebeu pelo menos 70 tiros, as marcas que ficaram. Tal qual Guilherme, o corpo de João Pedro só foi encontrado morto pela família. Só de crianças assassinadas no Rio nos últimos meses foram Ágatha Félix, de 8 anos, Kauê Ribeiro dos Santos, de 12 anos, Kauan Rosário, de 11 anos, segundo levantamento da ONG Rio de Paz. Dois dias depois de Guilherme morrer, um intenso tiroteio assustou moradores e motoristas que passavam próximo ao Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Duas pessoas ficaram feridas. Maré, de onde era Marielle Franco, assassinada por milicianos há 2 anos e 3 meses, sem que se publique quem são os mandantes.

São Paulo não fica atrás. Lembram-se dos 9 mortos na favela de Paraisópolis no final do ano passado, num baile funk? Uma chacina, que matou 4 homens na Zona Leste, ocorreu quase ao mesmo tempo que a morte de Guilherme. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública somente no mês de abril, período da quarentena, letalidade policial aumentou 53% no comparativo com o registrado em 2019. Mesmo tendo diminuído sensivelmente o número de furtos e roubos. Entre e janeiro e abril, o número de pessoas mortas por policiais militares e civis no estado de São Paulo cresceu 31%, em comparação com o mesmo período do ano passado.
As manifestações, mais que justas, dos moradores da Vila Clara, foram dissolvidas pela PM e sua Tropa de Choque com a costumeira truculência e suas armas “não letais”. Queimaram ônibus sim, fizeram barricadas nas ruas, estavam revoltados.

Insuportável a dor de ser tratado como coisa, de conviver com assassinatos de amigos e parentes, pelo Estado que deveria ser o garantidor de seus direitos. Pena que essas manifestações não tenham se multiplicado. Como não se revoltar quando se vê livres criminosos públicos, ladrões de recursos da saúde em plena pandemia, da educação para as igrejas deles, para produzir a propaganda criminosa do gabinete do ódio, a assessoria da presidência da República. Usam privadamente recursos públicos de comunicação, riquíssimos empresários de extrema direita, difundem as fake News.

A nossa Justiça é hipócrita, permite que milhares de presos pobres e pretos sigam encarcerados ou sejam mortos, que habeas corpus sejam vendidos, que corruptos e milicianos assassinos circulem por aí nos espaços de poder. O nosso Estado é terrorista e assassino, quando permite que os corpos que considera descartáveis sejam torturados e mortos. Além da liberação das armas, prá quem tem ideologia e grana pra comprar. Policiais bestializados e covardes fazem o serviço mais podre da necropolítica. Mas também a fome é tortura, o não direito à saúde, a educação, à moradia são tortura.

Os componentes deste governo genocida têm empresas, boas casas, helicópteros, milicianos e proteção armada à sua disposição. O povo nem pode se manifestar, que já leva chumbo. A extrema direita alega liberdade de expressão para defender a ditadura, o machismo, o racismo, a morte dos diferentes, o proibicionismo, o fundamentalismo religioso, os privilégios de poucos, que a terra é plana. Já nos provocaram de tudo que é jeito. Já convocaram nossa ira. Mas nós não gostamos de matar ninguém. Eles matam sem dó. As leis do Estado atual estão longe de ser justas e democráticas, além de inacessíveis. Não temos armas. Dependemos dos políticos e juristas covardes, e endinheirados. Eles têm todas as liberdades do mundo, os pobres não são livres prá estarem vivos.

Foto: Revolta na Vila Clara, zona sul de SP – Brasil de Fato | Reprodução/Twitter

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de Terezinha Vicente

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