“Abraço afetuoso do menino e sua doutora.
Ambiente asséptico, aroma álcool gel.
Diafragmas em suspensão diante do gesto raro, proibido, ameaçado de extinção.
Outros tantos doutores refletiam no jaleco branco a vergonha e o temor rubro de seus rostos paralisados.
No abraço recíproco e duradouro repousa a memória líquida da amorosidade, transbordando apetite de criança em gratidão.
Aninhados no mais inusitado gesto, em que suores, salivas, poros transpirantes exalam antiguidade…
Restará brecha para atualizarmos esbarrões de pele e alma?
Manadas, panapanás, multidões… a chance de orbitar outros corpos não poderá ser futuramente satanizada pelo higienismo social.
Recuperar-se-á retumbantemente a chance gregária do canto coral, da dança contato, do abraço menino… encontros curam… encurralados mutilam-se braços e ideias.
Sonhei com enlaces e festas, não seremos os mesmos após as mutilações.
Encontros precisarão ser provocados, desejados, restaurados, necessitados… continuamente não esquecidos.
Experimentações clandestinas farão dos abraços, atos revolucionários em civilidades achatadas e virulentas.
Gaia clama à provisoriedade do gesto menino, como antídoto permanente à ausência de humanidade a rondar espartanamente a via láctea: caminho ora despavimentado de luz e seiva materna, que empresta calor aos corpos… temperaturas ameaçadoras de liberdades interditadas.
O que restará de sabedoria aos meninos e meninas após afastamentos insanamente saneadores?
Que se profetize a esbornia de encontros amorosos e abraços múltiplos a rolar no chão de terra verde e água incolor… como urgência a salvaguardar estranhezas, essas que dilatam olhos e permitem olhar ampliado de mundos…de Gaia.”
Imagem: Selma Reyes
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