Foi um tempo em que o silêncio tinha som, era quase um gemido, além das sirenes ecoando a todo instante. Nesse tempo alguns refletiam, outros buscavam conversas e notícias em seus celulares e outros, ainda, buscavam defender o indefensável.
Os dias eram estranhos na cidade, mas a natureza, enquanto isso, tinha um fôlego. A poluição diminuía seus índices, as praias permaneciam limpas, as tartarugas surgiam, o céu ganhava novos tons avermelhados, aconteciam eclipses, conjunções de planetas. Parece que muitas coisas diferentes ocorriam naqueles dias.
Mas o essencial, o que dá sentido a tudo, não podia acontecer. O afeto era manifestado a distância. Os amigos já não se viam e não se abraçavam, nem os pais sentiam-se confortáveis em abraçar seus filhos. Netos não visitavam seus avós. A despedida às pessoas queridas, aquele último adeus, já não acontecia mais como antes. Tudo era muito diferente.
Vez por outra saíamos para as compras do essencial. Mas o medo do contágio fazia com que fizéssemos isso de forma rápida e cheios de precauções.
Já não podíamos ver os rostos inteiros, as máscaras escondiam parte da expressão, mas os olhos, ah… esses não deixavam de passar desapercebida a apreensão de todos.
Um certo grupo se apropriava deste momento para fingir força e poder com deboches e ameaças. Força? O que seria a verdadeira força?
E nessa apreensão fomos vivendo ou tentando viver…
Parece que pudemos aprender um pouco. Nunca nos demos conta do quanto faz falta um forte abraço sincero, ou um simples toque acolhedor.
Estes dias ficaram na lembrança, nós os levamos conosco. Para alguns foi uma oportunidade de reflexão, para outros, talvez, quase não tenha tido significado, muitos não puderam continuar suas jornadas… e para estes presto a minha homenagem.
Esse tempo passou e nunca mais fomos os mesmos… ou será que nada mudou?
Imagem: Madalena Penitente, por Georges da La Tour (1593 – 1652)