Por quem os sinos dobram.
O MST, a Central do Brasil e o diário baiano A Tarde.
Augusto de Sá Oliveira
O artigo avalia a cobertura feita pelo jornal A Tarde, da ação do MST e da reação da população contra os freqüentes atrasos dos trens, ocorridos simultaneamente, em 07/out, tanto em SP e RJ.
Na quarta-feira (07/out) dois fatos chamaram a atenção da mídia no Brasil e o matutino baiano A Tarde repercutiu, no dia seguinte, estas notícias: atividades do MST em fazenda paulista e os conflitos da população com a administração de 04 estações de trens do subúrbio carioca. O primeiro tema é objeto do editorial do jornal (caderno A-3) com o título: Práticas de subversão; de artigo do jornalista baiano Samuel Celestino, com o título: A invasão e a ordem (caderno A-13); de artigo da jornalista Dora Kramer, cuja coluna, publicada em outros jornais, é reproduzida aqui, com o título: Só para civilizados (caderno B-1); e, na mesma página, o artigo de Clarissa Thomé, da Agência Estado (RJ), com o título: Passageiros depredam 4 estações de trem no Rio.
A primeira observação é que apenas o editorial e a coluna de Samuel Celestino foram produção local, os demais artigos são olhares de fora sobre os episódios em questão. A segunda é que o MST mereceu bem mais atenção do que os problemas de transporte coletivo envolvendo os trens que ligam o subúrbio à Central do Brasil no Rio de Janeiro. A terceira observação é que este último fato é apresentado como consequência de um acontecimento fortuito. O trem que seguia a linha Japeri-Central do Brasil quebrou a “cerca de 100 metros da estação de Nilópolis”. A jornalista informa seus leitores que “segundo a Supervia, concessionária que administra os cinco ramais, o concerto levou 12 minutos”. Mas, este pequeno intervalo de tempo e mais a falta de explicação aos passageiros, por parte dos maquinistas, do que ocorria, fizeram com que eles ficassem “revoltados” e promovessem um “quebra-quebra que se espalhou por quatro estações” (Nilópolis, Nova Iguaçu, Deodoro e Mesquita). O Corpo de Bombeiros apagou um princípio de incêndio, o Batalhão de Choque retirou as pessoas que insistiam em permanecer na via férrea e até “o Exército chegou a ser mobilizado para evitar maiores tumultos”. Tirando a transcrição da reclamação de uma passageira alegando que “a Supervia não dá nenhuma explicação” quanto aos frequentes atrasos e ao subtítulo que informa sobre o mês de abril, quando “seguranças foram flagrados batendo em passageiros com um chicote, para obrigá-los a entrar nos trens”, tudo sugere tratar-se de um fato isolado e não um processo crônico de abandono, desrespeito e maus-tratos à população do subúrbio carioca. Ninguém é responsabilizado ou criminalizado pela ocorrência e nem se discute qualquer alternativa de solução para o problema. Tudo fica como uma circunstancial e excessiva explosão emocional da populção.
O MST não mereceu neste veículo impresso, por parte dos articulistas e do editorialista, o mesmo distanciamento que os incidentes na Central do Brasil. O editorial qualifica a prática do MST de “subversão”, palavra que foi usada como justificativa para o golpe civil-militar de 1964 e que, posteriormente, alicerçou toda a ação repressiva da ditadura. O editorialista sugere que os “corifeus da reforma agrária” existem graças aos recursos que recebem do “próprio governo federal (…) para invadir e depredar [e] para desestabilizar a ordem”. O MST, que antecede em muito o governo Lula, é reduzido a uma extensão do atual governo federal, é apenas um “travesso e violento tentáculo de sua cartilha de inclusão social”.
Samuel Celestino, jornalista político conhecido do público baiano pelas suas antigas e arquiconservadoras opiniões, repete a mesma ladainha. Começa alegando que “as cenas [de “vandalismo”] chocaram pela destruição”, segue apoiando-se no ministro Gilmar Mendes que considerou a “invasão” uma “afronta à Justiça e à ordem”, acusa o governo de omissão (“faz de conta que não vê”) e de destinar “bilhões [sic] de reais para o MST”. O que ele sugere é que se o governo Lula é moroso em acentar as famílias no campo que, então, os militantes do MST “pressionem o governo, acampem na Praça dos Três Poderes”.
A jornalista Dora Kramer mantém uma coluna em importante diário de circulação nacional, reproduzida por muitos impressos de importância regional, é conhecida do público brasileiro. Kramer escreve sua coluna com o fim explícito de atacar “as quatro autoridades” (o chefe de Gabinete de Segurança Institucional general Jorge Félix, o ministro Tarso Genro, o ministro Guilherme Cassel e o presidente do Incra, Rolf Hackbart), as “tantas outras que mantém o financiamento público do MST”, além daquela “autoridade maior que tudo vê e tudo corrobora”, pelo “benefício das palavras amenas” dispensadas ao MST. A “civilizada” senhora Kramer não fez uso de “palavras amenas” para se referir ao MST e seus militantes. Para o MST coube as já surradas palavras, tais como, “invasão”, “vandalismo”, etc. Também não se furtou a mostrar que compreende profundamente o Brasil: de um lado, estão os “cumpridores da lei”, e, do outro, os “bandoleiros” com “licença para barbarizar a tudo e a todos impunemente”. A “civilizada” jornalista se investe da condição de Juíza, julga, criminaliza e pune uma militante do MST ao tratá-la como “meliante”, “bandida”, etc.
Editorialistas, jornalistas e os veículos que eles repressentam, de Norte a Sul do país, podem tolerar que a população desorganizada e revoltada, sem qualquer objetivo político, possa atentar contra a “propriedade privada” através de “quebra-quebra”, incêndio, etc. Mas, se um movimento político popular, que visa organizar as massas rurais despossuídas e é declaradamente contra o sistema capitalista, atenta contra a “propriedade privada” isto deve ser criminalizado e impõe uma violenta ação represssiva ou, no limite, serve de justificativa para um golpe de estado.