Compasso de espera

imagem: Monica Martins / momagraf

Decidi me mudar do sobrado que alugava há 17 anos. As pessoas com quem dividia se mudaram. Filha e neto. Novos horizontes necessários.

A casa era grande para mim agora, fora a escada. Sobe e desce, sobe e desce, cansei disso. Era um compromisso comigo, compromisso de economia, compromisso de mudança.

No começo de março achei uma casa térrea. Bom preço, pequena, e com um quintal que os cães iriam adorar lançarem-se naquele corredor, latir para a rua. Assim pensei. Entrei com a papelada. A casa teria uma pequena reforma. E então começou a quarentena. Teria? Agora não sabia de mais nada.

Entrei em compasso de espera. Entramos todos. Um começo esperando pelo fim: O fim da pandemia, o fim do distanciamento.

Espera um mês, espera dois. Nem fui procurar saber, estava suspensa. Assim, esperando. Enquanto isso limpava a casa antiga, pensando na mudança, tentava organizar, encaixotar, aquelas providências que se faz para mudar, mas sem saber.
Tinha uma sensação de que permaneceria naquela situação pelo resto da vida. Dois meses de algo que parecia nunca que ia ter fim.

E ainda, mais uma vez, entrando em colisão com o passado: aquelas caixas de fitas cassete com coletâneas de rock dos anos 80 e entrevistas profissionais; os CDs e DVDs, discos, revistas, muitas revistas, livros, muitos amarelados, negativos de filmes e… centenas de fotografias. Fora os aparelhos sem uso.

Pode vir assinar o contrato, o telefonema da imobiliária sinalizou. Começo de maio, notícias sobre possível lockdown. Mas tinha a minha mudança no meio do caminho.
Estremeci. Fazer algo em hora errada. Grupo de risco. Mudar de casa em plena pandemia. Mudar em hora errada. Caminhão, profissionais, contato, mudança.
Desespero, nervosismo, ansiedade. Não conseguia mais dormir. Tinha que fazer tudo. E quantos não passaram a ter dificuldade para dormir? Cada qual com seu desespero?

Família deu apoio. Mudei. Mas depois da mudança veio a imobiliária da antiga casa mandar a conta da desocupação. Ah, eu não avisei com 30 dias de antecedência que iria me mudar. Tem que cumprir a Lei do Inquilinato. Depois de 17 anos, depois de dois meses em suspensão esperando uma reforminha, um contrato, uma mudança.

Em plena pandemia.

Imagem: Monica Martins / momagraf

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