Carla Akotirene: a flor de Oxum

‘‘Insubmissa’’, ‘‘Ousada’’, ‘‘Padilhane’’, ‘‘Teórica’’, assistente social, mulher preta, feminista, intelectual, filha da mais doce Yabá, mãe Oxum, aquela que vence uma guerra, protege seu povo e dizima um exército sem levantar uma espada. Dona de toda beleza e das perigosas estratégias, que o diga o rei Agbaraiê, no conto ‘‘Água de Rio’’ de Muniz Sodré.

Falo de Carla Adriana da Silva Santos, Carla Akotirene, e/ou também de sua matriz espiritual, a dona de seu Ori. Não enxergo distinção entre mãe e filha.

A construção do pensamento de Carla Akotirene, em ‘‘Interseccionalidade’’ da coleção “Feminismos Plurais”, refuta a tal neutralidade científica, falso dogma da epistemologia branca européia, até por que nenhuma produção do conhecimento é isenta de valores, e estes – quando oriundo da ‘‘braquitude velhomundista’’ -, fruto da violência colonizadora, se impôs como paradigma, desprezando outras formas de conhecimento, sua legitimidade e também a axiologia afrocentrada.

A interseccionalidade constitui uma leitura analítica das camadas de opressão sobre a mulher preta ou “sistema de opressão interligado”. Nas pegadas desta Yabá intelectual, o feminismo negro tem sua singularidade, nas avenidas identitárias pela qual transita – classe, raça e gênero – e não pode ser reduzido as outras leituras feministas brancas, que não tenciona ou abarca a questão racial, tampouco a perspectivas neoliberais.

‘‘Estou certa do neoliberalismo usufruir do conceito de interseccionalidade, em virtude de ele ter sido cunhado no campo do Direito e este campo ser manuseado pelo brancocentrismo, punitivismo e criminalização de pessoas negras […]O despautério metodológico é tanto que usa até interseccionalidade no campo punitivo particular reportando ao pensamento feminista negro de Angela Davis, uma abolicionista penal’’ (AKOTIRENE, 2019, p. 52).

Em ‘‘Ó pa í, prezada: racismo e sexismo institucionais tomando bonde nas penitenciárias femininas’’, Carla Akotirene ingressa no universo carcerário discutindo a questão do racismo e sexismo no Conjunto Penal Feminino de Salvador, fundada na ‘‘interseccionalidade como ferramenta teórico-metodológica’’, em que traz a tona as condições de submissão e privações institucionais sobre a mulher pobre e preta, na sua maioria, apenada, como também o racismo religioso no tocante ao Candomblé e Umbanda; e a existência da lesofobia na unidade prisional pesquisada.

Carla Akotirene é este furacão intelectual que temos que ler atentamente para seguir a arquitetura plurisemântica de seu pensamento, nas mais pura e genuína expressão de africanidade, isto é, suas ideias são canais que nos leva a outros e diversos caminhos reflexivos, mas que estão vinculados a um iter que cruza o Atlântico, como ponto inicial de toda experiência cultural da humanidade.

Uma mulher preta que inspira sua gente!

Imagem: montagem Ciranda.net (Carla Akotirene, Carla Akotirene na cachoeira))

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