A paixão de Afrodite e Eros na pós-modernidade pandêmica

Enquanto esperava Afrodite, Eros resolveu pegar um bolachão de Rita Lee para tocar na vitrola. Relembrava o show do reveillon musical de 2012, no palco defronte ao busto de Tamandaré, em João Pessoa. Havia sido uma noite encantadora. Ele e Vênus dançaram descalços a ciranda puxada por Antônio Nóbrega.

Escolheu a faixa Amor e Sexo para dourar as fantasias das intermináveis conversas com Afro. Amor é um livro/ Sexo é esporte/Sexo é escolha/Amor é Sorte/Amor é pensamento/Teorema/Amor é novela/Sexo é cinema. Sexo é imaginação/Fantasia/Amor é prosa/Sexo é poesia. O amor nos torna/Patéticos/Sexo é selva/De epilépticoa. Amor é cristão/Sexo é pagão/Amor é latifúndio/Sexo é invasão. Amor é divino/Sexo é animal/Amor é bossa nova/Sexo é carnaval/Oh! Oh! Uh! Amor é para sempre/Sexo também…

Eis que alguém abre o portão eletrônico e estaciona o carro sob o caramanchão. Caralho! Deve sercum dos dos meus filhos. Olha pela fresta da cortina. Vê a silhueta de Sagitárius, seu filho mais novo. Um atlético homem de 1,87cm.

– E ai pai! Vai fazer festa de pijama?

– Porra, filho! Por que não telefonou antes?

– Porque você nunca estabeleceu esta regra. Penélope e eu podemos entrar aqui a hora que quisermos. Temos o controle do portão e a chave da casa. Sempre foi assim, desde que mainha era viva.

– Verdade, Sagitárius Porém, hoje é um dia especial. Não pensava que alguem ia aparecer de repente. Vou receber uma nova cliente bem recomendada. Ela deve estar chegando.

– Eu, sei pai. Você vai pintar o sete com tinta orgânica translúcida. Ainda sabe usar o pincel?

Neste ínterim a companhia toca. É Afro. Constrangido, Eros abre o portão e a convida para entrar. Afro se assusta quando vê o outro jovem e belo homem diante de si. Sacou na hora que se tratava do professor de TBC da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Por ele nutriu paixão avassaladora, nunca revelada. O mestre Sagitárius sempre foi muito sério e exigente. O eleitorado feminino dizia que o professor mais desejado era um pau mandado feliz.

Mirando demoradamente para os dois homens percebeu que se tratavam de pai e filho. Naquele momento compreendeu que a aproximação com Eros foi uma busca inconsciente por Sagitarius.

Entretanto, Afrodite soube dissimular os sentimentos. Perguntou se Eros não ia oferecer uma cerveja artesanal à nova cliente. Gostaria de definir preço e condições para fazer um retrato. Eros um tanto sem graça disse que precisava de três visitas de duas horas para pintar o rosto da jovem. Para ela faria um preço módico. Seria mais barato do que um jaguar esportivo.

Sentindo o constrangimento geral, Sagitarius disse que precisava ir pra casa. Incontinenti Afrodite pediu carona. Precisava participar de uma live. Foram-se juntos. Eros ficou com a cara de tacho. Desanimado leu em voz alta a poesia de Drummond, que expressava a fantasia frustrada daquela noite: Sugar e ser sugado pelo amor.

“Sugar e ser ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dos dois em um gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar e ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua”.

Eros abriu uma garrafa de vinho e se serviu. À medida em que ia bebendo a preciosa bebida ia relaxando, relaxando, relaxando. Já não estava triste, nem feliz. No fundo da alma tinha receio de broxar e não satisfazer os desejos sexuais de Afrodite.

Pensando bem, aquelas noites de bolinação mediada pela plataforma virtual, foram mais que suficientes para despertar seus sentimentos amorosos e sexuais, interditados desde a morte súbita de Vênus.

O encontro de corpos e de uma vida a dois jamais iria acontecer no mundo real. Pertencia à dimensão onírica. Não carecia de concretização. Fez um bem danado a Afro e Eros.

Adrô de Xangô
28/7/2020

Imagem: Rosana Fragomeni

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