A Constituição Federal, o princípio da solidariedade e o enfrentamento da fome

Em tempos de pandemia do Covid 19, a luta contra a fome se dá em todas as instâncias e poderes, inclusive junto ao judiciário. Afinal, a Constituição Federal de 1988 – conhecida como Constituição Cidadã – trouxe em seu texto como clausula pétrea a proibição de emendas à Constituição que retirem “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV).

O princípio da solidariedade está expresso no artigo 3º, inciso I da Constituição Federal. Ele é um dos objetivos principais da República. Importa para a manutenção da dignidade da pessoa humana e o respeito dos direitos sociais, por meio de ações promotoras da justiça social e garantidoras da proteção aos indivíduos. Deve-se promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas. A sua aplicação permite ao Estado atender aos reclamos daqueles que invocam seus direitos previdenciários, de assistência social, saúde e tantos outros direitos, que se baseiam na solidariedade entre os membros da sociedade para acudir uma necessidade social.

Mais que isso, seu texto consolida garantias e prevê, em diversos dispositivos, a participação cidadã na formulação, implementação e controle social das políticas públicas. Os seus artigos 198, 204 e 206 deram origem a criação de conselhos de políticas públicas no âmbito da saúde, assistência social e educação nos três níveis de governo. Tais experiências provocaram a multiplicação de conselhos em outras áreas temáticas e níveis de governo.

Deborah Duprah, jurista e procuradora da república aposentada, destaca a importância do princípio da solidariedade na Constituição Federal de 88 e a importância da participação social. Ela explica como o estado brasileiro se organizou, investiu e capacitou a administração pública para atuar contra a desigualdade, a fome e a pobreza.

Violação dos princípios e direitos fundamentais significa que o texto constitucional está sendo descumprido.

A fome e a pobreza se agravam com o desmonte das políticas de proteção social e, também, da estrutura do sistema de participação e controle social realizado de forma assertiva pela atual gestão federal. Já em 2019, em seu primeiro ato como presidente da República, Jair Bolsonaro publicou a Medida Provisória (MP) 870, reorganizando os órgãos da presidência, os ministérios e suas atribuições. E com ela extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA (art. 85, III).

O CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional era um órgão de assessoramento imediato à Presidência da República. Ele integrava o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) instituído pela Lei Nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. O Consea era espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, com vistas a promover a realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada, em articulação com diferentes setores de governo.

Desmonte de Conselhos, cortes de recursos, descontinuidade de políticas e programas. Pandemia. Resultado FOME.

Hoje, mais de 55% da população brasileira encontra-se em situação de insegurança alimentar. 9% convivem com a fome, vale dizer, estão em situação de IA [Insegurança Alimentar] grave. Nas áreas rurais a situação é ainda pior, 12% estão em insegurança alimentar grave. São 19 milhões de brasileiras e brasileiros passando fome.

Neste contexto de fome e pandemia do covid 19, os recursos previstos e executados junto às políticas e programas públicos federais voltados à Segurança Alimentar e Nutricional da população encontram-se no patamar mais baixo dos últimos 10 anos. Os quadros a seguir trazem dados sintéticos explicitando a situação.

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O enfrentamento da fome chega ao Judiciário

Pelo menos seis Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando medidas como o limite de gastos públicos de 20 anos imposto pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016, a suspensão dos efeitos das Emendas Constitucionais 95/2016 e 109/2021 em relação a políticas e programas que podem contribuir para a superação do cenário atual de fome e obriguem o governo federal a investir em medidas de combate à miséria.

Entre as ADPFs, a de número 831 é a que trata mais diretamente do enfrentamento da fome, na medida em que questiona a afronta grave aos princípios e direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88) e aos direitos à alimentação adequada e à assistência social (art. 6º). Para saber mais sobre a ADPF 831 leia aqui

Ingressaram como amicus curiae na ADPF 831 a FIAN Brasil, a RedePensan e a Plataforma Dhesca. A ADPF 831 foi distribuída para a Ministra Rosa Weber, neste momento encontra-se conclusa para a relatora. Para acompanhar a tramitação do processo acesse o STF aqui.


ADPF é um tipo de ação que visa evitar ou reparar lesão a um preceito fundamental causada por um ato ou uma omissão do poder público. Esses preceitos são os direitos e garantias que representam a base da Constituição, bem como os fundamentos e principais objetivos da República. Fonte: Fian Brasil

Amicus curiae (“amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, em latim) designa uma instituição ou pessoa que, por seus conhecimentos num assunto específico, é ouvida no intuito de embasar decisões justas em casos judiciais complexos e de repercussão social da controvérsia, ou seja, que tendem a extrapolar o processo e formar precedente para outros julgamentos. Fonte: Fian Brasil

Fotos Capa: Ciranda.net e Ciranda.net

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