Estupro culposo II

Qual o peso da palavra de uma mulher assediada diante de seu agressor?

Os casos que vieram à tona nos últimos anos relacionados a Roger Abdelmassih, João de Deus e as acusações a Marcius Melhem possuem algo em comum, qual seja, a reunião de várias vozes femininas violadas para atestar a veracidade da violência sofrida.

Por qual razão isto ocorre?

Talvez por que no Brasil não existe a cultura do estupro, mulheres, por exemplo, podem passar no carnaval no meio de um bloco composto por homens travestidos, como um famoso aqui em Salvador, que não sofrerão assédios, ‘‘dedadas’’, não serão forçadas a beijos, tampouco agredidas ao recusarem ao ímpeto de homens respeitosos. Da mesma forma, mulheres podem sair tranquilas para fazer um ‘‘cooper’’, a qualquer hora e com qualquer roupa que não serão alvo de ‘‘cantadas sexuais’’ e nem serão potenciais alvos de um estuprador ‘‘de bem’’.

Uma mulher violentada, solitariamente, sofre o descrédito. A alternativa para sobreviver é refugiar-se no silêncio, buscar um tratamento para uma doença mental derivada da violência, conseqüências de uma pena que ela sofre como vítima.
Este é um país dos negacionistas, onde não há racismo, nem machismo, nem homofobia…

E o pior… eles – os negacionistas – ocupam os espaços de poder. São juízes, delegados, deputados, senadores, promotores. Homens pretos e brancos.
É uma realidade meio esquizofrênica, porque tentam te convencer que a dor que a vítima sente, não é real, é coisa da cabeça dela. Um carinho despretensioso é estupro? ‘‘Você está fantasiando’’, ‘‘fazendo tempestade em um copo d’agua’’.

Quem diz isso é sempre quem não passou pela violência ou defende o agressor.
A deputada Isa Pena, do PSOL, foi assediada com a importunação sexual do deputado Fernando Cury, do Cidadania. O cara simplesmente, no ambiente institucional de trabalho, achou que tinha o direito de abraçar uma mulher por trás, tocar no seio da deputada, e depois pedir desculpas, ‘‘foi mal’’.

Qual seria a reação do violador se um parlamentar encostasse por trás e tocasse no pênis do mesmo ou em qualquer parte íntima?

O patriarcado e a cultura do estupro dizem que nós homens podemos tocar no corpo das mulheres sem permissão delas. É um direito nosso albergado no Código Brasileiro do Opressor, no capítulo sobre o direito do estuprador.

Ai aparece o cão de guarda da ‘‘família’’ para atacar a deputada que foi assediada, defender o assediador e vociferar raivoso contra a deputada Monica Seixas do PSOL.
‘‘Eu defendo pena de morte para estuprador’’, assim sentenciava, paradoxalmente, o deputado defensor da cultura do estupro; se ele levasse a sério o que disse, teria que corta na própria carne. O que se viu foi a velha estratégia de desqualificar a vítima e intimida-la com gritarias e agressões verbais, só que esta receita já não ‘‘tá banteno muito certo’’.

Os legalistas dizem: ‘’Não é bem assim, temos o direito que protege a dignidade e a liberdade sexual, sobretudo das mulheres’’.

Ah tá…

Quando parece que a cota de indignação diária já foi enviada, vem um juiz, na mesma pegada do caso ‘‘Mariana Ferrer’’, e perante uma mulher vítima e parte processual, destila todo o seu machismo, com intimidações, ameaças veladas e posicionamentos contrários as previsões protetivas da Lei Maria da Penha.

O que adianta legislações protetivas se há aplicadores machistas, que protegem violadores? E esta proteção se dá pela razão dos mesmos se enxergarem na posição dos infratores, isto é, eles reproduzem ou podem reproduzir aquele comportamento contra alguma mulher, e tomar um posicionamento contra, é na verdade julgar contra si mesmo.

A vítima que recorre ao Poder Judiciário, e se vê hostilizada por um advogado, como no caso ‘‘Mariana Ferrer’’, ou por um Juiz que se põe insolitamente contra a concessão de medidas protetivas, tem um contra-estímulo na buscas de reparação e proteção judicial.

Mais uma vez eu repito, é necessário que mulheres, e, principalmente, mulheres pretas, ocupem espaços de poder e restrinjam cada vez mais o opressor e suas ideologias de raça e gênero, que alimentam o racismo estrutural e o patriarcado na sociedade brasileira.

Somente a classe não elimina o estupro nem freia o genocídio contra o povo preto.

A leitura e a luta é interseccional.

Imagem: montagem ciranda.net (Isa Penna; Deputado assedia deputada – site Alesp, Fernando Cury)

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