Solidariedade e resistência: comitê do Maranhão da Ação da Cidadania prioriza a escuta para levar o que a comunidade precisa

Que aprendizados trazem as experiências das organizações da sociedade civil para o enfrentamento das crises humanitárias e para a sinalização de caminhos e políticas possíveis de combate à fome, de abastecimento alimentar na luta pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e do Direito Humano à Alimentação Adequada?
Essa foi a pergunta endereçada ao comitê do Maranhão na Ação da Cidadania, durante a oficina virtual “Enfrentar a fome com a força de nossas lutas: solidariedade e resistência”, realizada no dia 12 de agosto pela Comissão Organizadora da Conferência Popular, Democrática e Autônoma de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

A Ação da Cidadania, movimento presente em todo o Brasil há 27 anos, realiza desde o início da pandemia de Covid-19 a “Ação contra o Corona”. Em todo o país, já foram distribuídas cerca 7.800 toneladas de alimentos, equivalente a 24 mil de pratos de comida para 2 milhões de pessoas. A organização arrecadou cerca de R$ 30 milhões de reais. De acordo com Ana Paula Souza, coordenadora de Ações Sociais da Ação da Cidadania, do Comitê Nacional, as cestas adquiridas com as doações são compostas por itens básicos como arroz, feijão, macarrão, óleo, farinha e fubá. Mas cada comitê estadual tem autonomia para complementar as cestas com parcerias locais, incluindo organizações como Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e demais organizações que integram os conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional.

Syrley Bruzaca, coordenadora do comitê do Maranhão, conta que desde o início da pandemia está nas ruas com cerca de 25 voluntários para fazer a distribuição de cestas de alimentos e kits de higiene e proteção. Pessoas que foram beneficiadas na primeira etapa do auxílio das doações se voluntariaram para atuar no comitê. Além da doação de alimentos pelo comitê nacional, o Maranhão recebeu doação da “Compra Solidária”, programa encampado pelo Programa Mundial de Alimentos (PAM) da Organização das Nações Unidas (ONU), que possibilitou atender cerca de 700 famílias.

“Estamos em campo, estamos trabalhando, não estamos contando com apoio de governos, apesar de o Maranhão ser um dos poucos estados com forte política de segurança alimentar, e um dos poucos estados que mantém a estrutura do Consea, não temos ajuda direta do governo. No entanto, contamos com o apoio do nosso conselho, com apoio de carro para podermos dar o suporte para essas famílias e para essas pessoas que estão precisando no momento”, afirma Shyrley, que atua há quase 20 anos na organização.

A abrangência e atuação da Ação da Cidadania se mostra vital e urgente. Entre 2017 e 2018, menos da metade dos domicílios do Norte (43,0%) e Nordeste (49,7%) tinham acesso pleno e regular aos alimentos. Dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7% estavam com algum nível de insegurança alimentar, atingindo, ao todo, 84,9 milhões de pessoas. É o que retrata a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última quinta-feira (17/09).

Os dados indicam que cerca de 10,3 milhões de pessoas viviam em domicílios em que houve privação severa de alimentos ao menos em alguns momentos. Dos 3,1 milhões de domicílios com insegurança alimentar grave no Brasil, 1,3 milhão estava no Nordeste. Shirley destaca que o comitê do Maranhão da Ação da Cidadania surgiu dentro da comunidade Gapara, localizada na área Itaqui Bacanga, onde fica a companhia Vale do Rio Doce e o Porto do Itaqui, um dos mais importantes do Brasil. Nessa região estão várias comunidades como Gapara São João, Argola, Tambor, Vila São João dentre outras.

“Nós vemos essa relação da cidadania como voluntário e com a comunidade. Nós não levamos para comunidade aquilo que queremos levar, nós levamos para a comunidade aquilo que ela precisa, aquilo que ela nos pede, porque praticar escuta é algo muito interessante”, conta a coordenadora.

Shirley atenta para ações de organizações que despejam doações sem fazer a escuta do que a comunidade precisa. Segundo ela, muitas organizações fazem doações, inclusive para órgãos governamentais e centros de referência, porque talvez seja mais fácil trabalhar com um cadastro que já está organizado.

“Hoje, o comitê Maranhão conhece cada pessoa, cada ponta, cada comunidade onde chegam essas doações porque fazemos questão que a nossa relação seja diretamente com as pessoas. Conhecer pessoas, trabalhar para pessoas e ouvir as pessoas”, destaca.

Novas formas de atuação da Ação da Cidadania
A Ação da Cidadania, criada pelo sociólogo Betinho em 1993, vem mudando suas estratégias de doação de alimentos. Inicialmente, as portas de supermercados eram os pontos de encontros com os voluntários e facilitava o contato com comércio como com as pessoas que já frequentavam os mercados. Outra frente era a Blitz, com vistas porta a porta nos bairros. Mas essas ações não são mais realizada no Maranhão.

“Nós remodelamos esse tipo de campanha até por conta do apoio dos voluntários. Muitos de nós estávamos na ponta, éramos pessoas que dependiam de doações de cestas básicas e que dependiam dessa ação. Hoje, nós já conseguimos mudar um pouco a condição de vida das pessoas e também desse modelo de campanha”, explica Shirley.

O atendimento às populações também tem se diversificado. Durante a pandemia, a Ação da Cidadania, em nível nacional tem atendido comunidades quilombolas, comunidades indígenas, povos de terreiro, trabalhadores e trabalhadoras rurais, informais e formais etc. Também tem sido realizada parcerias com lideranças comunitárias, organizações sociais, empresas públicas e privadas. No total, sete municípios são atendidos pela Ação contra o Corona.

Shyrlei relata que também foi possível alcançar pessoas que moram em áreas vulneráveis e que dependiam dessa renda do setor de festas e eventos. “A Ação da Cidadania continua dando suporte para todos os comitês estando eles institucionalizados, ou não, mas que agregam pessoas que são solidárias, pessoas que tem um coração enorme e que estão dedicadas não pelo o que lhe sobra, mas pela dedicação que elas têm de fazer o bem para outras pessoas”.

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imagens: Ação da Cidadania

Para conferir outras experiências de solidariedade e resistência, acesse:

Coletivo de jovens negrxs atua com segurança alimentar, negócios digitais e nova economia na Bahia

Solidariedade é uma prática permanente e política no MST

Fonte: Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

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