A lamparina tá apagando…

Os povos tradicionais, quilombolas e de terreiro tem uma íntima relação com a natureza, pois nela esta a fonte vital para tais em diversos sentidos. Culto, ancestralidade, subsistência e outras elementares questões dependem da relação harmoniosa com os locais sagrados.

Para o direito positivo ocidentalizado, a relação jurídica é travada entre duas pessoas naturais, sendo impensável, até um tempo atrás, animais não humanos ou outras formas de vida, ter o mesmo status jurídico, isto é, serem sujeitos de direito. Reconhecendo a existência de um pluralismo jurídico, percebe-se que nos demais sistemas normativos dos povos tradicionais e africanos, por exemplo, já se previam um sistema de direitos e obrigações jurídicas, com todos os entes que dividiam o mesmo espaço.

Não se descobriu nada novo, o que pode tá rolando é uma apropriazaçãozinha cultural de nada, bem de leve e descarada, mas a gente sabe de onde veio este ‘‘novo direito’’ em que figura rios, florestas, animais não humanos… veio dos nossos parentes, donos da terras e dos povos de África.

No lado ‘‘B’’ do disco, a emergência do capital e sua estrutura trazem consigo a morte pelo concreto, dos espaços ricos em vida, cores, sons, para dar lugar a dureza e impermeabilidade do cimento, as doenças dos produtos condicionados em latas e não ofertados diretamente dos ‘‘pés’’, da terra ou das águas. A terra é tomada para uma homogênea imagem alimentícia ao contrário da heterogênea, rica e colorida agricultura familiar, em outras palavras, a tomada da terra é a negação da sobrevivência digna, para dar lugar a um insano modo produtivo e concentrado de acumulação de riqueza, construído sobre miserabilidade de muitos.

Nesse ponto Pepe Mujica diz que cada bem de consumo oferecido pelo capitalismo requer um tempo de vida gasto para adquirir o fruto de desejo. E aí, ele pergunta quanto tempo de sua vida, ou quanto considera razoável deixar de viver – beijar, transar, beber, sorrir… – para acumular bens além de sua necessidade? Admiro esse cara, que tem um sítio, um fusca, uma mulher para amar e a cadela Manuela, sim, um homem rico. Um socialista em que me espelho. Salve Pepe!

O homem e a mulher do campo sem terra é mais um operário sobrevivendo nas claustrofóbicas grandes cidades, um povo indígena sem território, são errantes sem ponto de partida, um povo de santo sem mato, rio, folhas e mares, são religiosos sem templo.

O Parque São Bartolomeu, por exemplo, no subúrbio ferroviário de Salvador, é um local de culto e de grande valor histórico, pois ali sob a liderança da preta Zeferina se estruturou o Quilombo do Urubu no século XIX. Na atualidade sofre assédios da especulação imobiliária e agressões ambientais. Tal como o rio que passa pelo Quilombo da Baixa da Linha na cidade de Cruz das Almas, Bahia, e que esta sendo poluído, comprometendo o culto de uma comunidade de santo deste Quilombo, pois não se faz oferendas em esgotos para as divindades da água doce.

Já se vive o cenário semelhante ao do ‘‘Ensaio sobre a cegueira’’ de Saramago, e o opressor já esta pagando o preço, porque todo mal tem seu fim. Mas se ligue, não haverá arca de Noé.

Imagem: MPBA

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