Nota de Repúdio ao despejo de agricultoras e agricultores familiares e quilombolas do acampamento quilombo Campo Grande
As organizações, movimentos e coletivos que compõem a Comissão Organizadora da I Conferência Nacional, Popular, Autônoma por Direitos, Democracia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional repudiam a ação de despejo das famílias agricultoras do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – Quilombo Campo Grande, na cidade de Campo do Meio, no Sul do estado de Minas Gerais e denunciam esta grave ameaça ao direito humano à alimentação adequada (DHAA) e à soberania alimentar.
A reintegração de posse é ainda mais grave se considerarmos a pandemia de Covid-19, pois coloca em risco a vida e a saúde, tanto das quase 2.000 pessoas que vivem no Quilombo, quanto dos policiais militares que participaram desta ação violenta.
No dia 12 de agosto de 2020, foi dado início ao processo de reintegração de posse de parte da área ocupada pelas 450 famílias (cerca de 2 mil pessoas), que vivem no Acampamento Quilombo Campo Grande. A Escola Popular Eduardo Galeano foi derrubada, bem como outras benfeitorias comuns do acampamento, como os barracões onde eram produzidos insumos agroecológicos e beneficiado parte do café colhido. Também foram destruídas as casas de seis famílias e suas plantações. Foram três dias de tensão, violência policial, violação de direitos humano, mas também de muita resistência e apoio popular.
O acampamento faz parte de um conflito agrário que já dura duas décadas, sem resolução, onde funcionava a antiga Usina Ariadnópolis, que deixou uma dívida milionária em direitos trabalhistas. Parte das trabalhadoras e trabalhadores da usina (140 famílias) fundaram o Quilombo Campo Grande, dando início a uma história de vinte anos de resistência, cumprimento da função social da terra e transição agroecológica.
No Quilombo Campo Grande há uma diversificada produção e comercialização de alimentos livres de agrotóxico. São colhidos anualmente mais de 510 toneladas do café agroecológico Guaií, que em guarani significa semente boa, e é reconhecido nacionalmente pela sua qualidade. O grupo de mulheres acampadas Raízes da Terra cultiva sementes agroecológicas e hortas medicinais. O acampamento faz parte do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, uma ação do MST cuja meta é incentivar as famílias assentadas e acampadas, e a sociedade em geral, a plantar 100 milhões de árvores pelo país nesta década, recuperando áreas degradadas e disseminando a cultura das agroflorestas e dos quintais produtivos.
No atual cenário de aumento da extrema pobreza e da fome, e de tantos retrocessos, autoritarismos, e ameaça aos que defendem o direito à terra, não restam dúvidas quanto ao caráter de intimidação desta ação por parte do Estado brasileiro, que mais uma vez se coloca contra os direitos de agricultoras e agricultores familiares e a produção de comida de verdade, em favor do grande latifúndio, comprometendo a soberania e a segurança alimentar e nutricional dos povos.
O despejo representa uma grave violação de direitos humanos, acesso à terra, moradia, educação e à saúde, e o direito humano à alimentação adequada, inscrito no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 6º da Constituição Federal brasileira, consagrado ainda na Lei n. 11.346/2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN).
Ao ameaçar de despejo estas famílias o Estado brasileiro, viola o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual é signatário, em especial seu artigo 11, que se refere ao direito de estar ao abrigo da fome, intimamente ligado ao direito à vida, considerado como uma norma absoluta, o nível mínimo que deve ser garantido a todas as pessoas, o que implica a necessidade de constituir um ambiente económico, político e social que permita às pessoas alcançar a segurança alimentar pelos seus próprios meios.
Por este conjunto de violação de direitos, o coletivo que assina esta nota reitera a sua recomendação exposta no documento “Garantir o direito à alimentação e combater a fome em tempos de coronavírus: a vida e a dignidade humana em primeiro lugar!”, de que haja interrupção de todos os despejos e reintegrações de posse, coletivos e individuais, em áreas rurais e urbanas, que atentam contra o direito à terra e ao território dos (as) agricultores (as) familiares, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e população urbana
A Comissão Organizadora da Conferência Nacional, Popular, Autônoma por Direitos, Democracia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional solidariza-se as famílias e ao Movimento Sem Terra (MST) que resistem bravamente ao despejo. Mais do que nunca, é preciso que a vida, a saúde e a dignidade sejam os principais pilares de qualquer ação pública.
Em defesa da REFORMA AGRÁRIA POPULAR, da soberania alimentar e alimentação saudável para todas e todos!
Organizações da Comissão Organizadora da Conferência Popular por Direitos, Democracia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que assinam a nota:
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Ação da Cidadania, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), Coletivo Indígena, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Coletivo de Ex-Presidentes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Banquetaço, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), FIAN Brasil, Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional de Povos Tradicionais de Matriz Africana (FOSANPOTMA), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN), Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Slow Food Brasil, Via Campesina.
clique aqui para baixar a nota completa: notarepudiovff.pdf