Amores pós-modernos em tempos de pandemia

Eros parou no tempo e se pôs a pensar. Novamente, concluiu que Afrodite era um amor impossível. No íntimo fez votos para que Sagitarius enxergasse em Afrodite uma bela, jovem, inteligente e instigante mulher. Seu filho andava solitário e triste após o divórcio. O único prazer era levar Maíra à escola e passar os fins de semana com a filha, duas quinzenas por mês.

O telefone toca e interrompe seus devaneios. É Artemísia Furtado, ex-colega de Departamento de Artes Plásticas. A amiga o convida para organizarem uma exposição virtual visando apresentar as telas de tradicionais e jovens pintores da Paraíba.

Rosinha Lucena, uma das melhores galeristas da cidade, gostaria de investir tempo e dinheiro na seleção de obras e elaboração de catálogo para a exposição virtual. O texto de apresentação seria escrito pelo professor Cidoval de Sousa, da Universidade Estadual da Paraíba. Rosinha tem excelentes contatos nacionais e internacionais, além de apreciável cadastro de compradores na Paraíba, no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa.

Eros pede um tempo para refletir. Artemísia o convida para passar uns dias na fazenda da família. Em tom de brincadeira, Eros aceita, desde que Artemísia tope passar uma temporada na Praia do Caju. Recebe um sim. Daí, a brincadeira se transmutou em dupla e irresistível verdade…

Temporada na fazenda em Pombal, sertão paraibano. Entre as escolhas de telas para a exposição, Eros aprenderia a tirar leite e fazer queijo de cabra. A semana seguinte seria dedicada à viagem a dois para a casa da Praia do Caju, nos limites com o Rio Grande do Norte. Curtiriam os passeios nas dunas, desceriam de “skibunda”, tomariam banhos de mar nas águas quentes e comeriam espetinhos de lagosta, escoltados por cervejas super geladas.

Eros ficou empolgado com a exposição. Selecionou 12 quadros recentes. Fotografou em distintos lugares para aproveitar os melhores ângulos e a iluminação que mais valorizassem os desenhos e as cores. Foram divertidas dias de trabalho para a preparação do portfólio.

Enviou o arquivo para Artemísia e arrumou a bagagem para as duas semanas de férias no sertão e nas dunas paraibanas. Ao terminar, resolveu tomar uma cerveja para relaxar. Lembrou-se de trechos do poema “Se Deus fosse uma mulher”, de Mário Benedetti.

“E se Deus fosse uma mulher?
Indaga Juan sem pestanejar.
Ora, ora, se Deus fosse mulher
É possível que agnósticos e ateus
Não disséssemos não com a cabeça
E disséssemos sim com as entranhas.

Talvez nos aproximássemos de sua divina nudez
Para beijar seus pés não de bronze,
Seu púbis não de pedra,
Seus peitos não de mármore,
Seus lábios não de gesso.

Se Deus fosse mulher a abraçaríamos
Para arrancá-la de sua distância,
E não haveria que jurar
Até que a morte nos separe,
Já que seria imortal por antonomásia
E em vez de transmitir-nos Aids ou pânico
Nos contaminaria de sua imortalidade.

Se Deus fosse mulher não se instalaria
Solitária no reino dos céus,
Mas nos aguardaria no saguão do inferno,
Com seus braços não cerrados
Sua rosa não de plástico
E seu amor não de anjo.

Ai meu Deus, meu Deus,
Se até sempre e desde sempre
Fosses uma mulher,
Que belo escândalo seria,
Que afortunada, esplêndida, impossível,
Prodigiosa blasfêmia!”

Eros dormiu feito um anjo de mármore e acordou descansado. Colocou a valise no porta-malas do jipe. Telefonou para os filhos avisando da viagem à fazenda de Artemísia e à casa de praia, por um período de duas a três semanas.

Enquanto dirigia concentrou o pensamento na exposição e no trabalho que teriam para escolher as cinco obras de cada um dos doze expositores. Eros estava super animado com a perspectiva de mostrar as suas criações de rostos e nus femininos em catálogo, que ganharia o mundo aproveitando as plataformas digitais, no momento em que a pandemia estava reduzindo a virulência.

Ao chegar na entrada da fazenda, havia um empregado esperando para abrir a cancela. Atravessou e se empolgou com a casa branca no alto da serra. Telhado marrom de duas águas. Janelas e portas pintadas de azul colonial. Eram três as varandas com diversas redes entre os pilares. Desceu do jipe, colocou o chapéu panamá, pegou a sacola e se dirigiu ao portão da casa onde a sorridente Artemísia o aguardava.
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Eros não sabia explicar a razão. Mas o coração disparou quando viu a silhueta feminina moldurada pelo sol do sertão. Era um sentimento bem maior e mais intenso pela amiga e colega de Universidade. Percebeu que cresceram e amadureceram juntos. Já não era a Ártemis sem sal e sem doce afeto.

Artemísia por sua vez tremeu da cabeça aos pés. Nunca havia reparado Eros como homem. E que homem bonito e interessante! Cumprimentaram-se burocraticamente contendo o desejo de caloroso e prolongado abraço.

Artemísia conduziu Eros ao quarto de hóspedes ao lado dos seus aposentos. Mostrou todos os detalhes da habitação. Sugeriu que o amigo tomasse um banho antes do almoço. Propôs um passeio de cavalo às 4 da tarde para Eros conhecer a propriedade. Havia um rio e um poço delicioso para se refrescarem do calor inclemente.

Adrô de Xangô
2/8/2020.

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