Iansã, revolução e afrocentricidade

Concentração de poder, democracia e revolução podem ser partes de um enredo como a Revolução Francesa de 1789, mas é bem representada no mito que envolvem Iansã e Ossain. Esta divindade recebeu de Olodumaré o poder sobre as folhas, sabia assim os seus segredos e por tal detinha um grande comando sobre a resolução de diversas questões.

Os outros Orixás dependiam, por assim dizer, do humor de Ossain em ceder as folhas para tratar os males dos indivíduos, que lhes acudiam. Guardadas em uma cabaça no alto de um galho de lroko, as folhas somente poderia ser recolhida por Ossain, situação de dependência que não agradava as outras divindades.

Então, os Orixás convocaram uma reunião para discutir com Ossain a repartição do poder sobre as folhas, o que não teve muito sucesso. A intransigência de Ossain motivou Iansã a dançar formando uma grande ventania, que fez com que a cabaça batesse contra a árvore, o ponto de rachar, e todas as folhas caíssem pelo chão para serem apanhadas pelos outros Orixás.

Entretanto, o segredo sobre as folhas continuaram com Ossain, que deve ser reverenciado para que o poder e o axé delas possam resolver os problemas do mundo e da humanidade.

Temos, com este mito, uma breve explicação, ou aula, sobre o processo de transformação política, tentada pelas vias democrática – reunião dos Orixás com Ossain para deliberar o poder sobre as folhas – quando em uma sociedade há a concentração de poder – o poder de Ossain sobre as insabas -, que resulta por vezes em abusos, cuja remoção pode se dá por meios pacíficos de reforma, ou pelas vias violentas ou revolucionárias – a dança de Iansã que formou a ventania -, mas que ao final ressignifica a forma de poder político.

O quilombismo como categoria científica trabalhada pelo professor Abdias do Nascimento tenciona a rejeição ao universalismo científico europeu como um das formas necessárias de revolução no campo epistemológico e político da população preta, ancorado no fazer científico fundado nos valores e princípios da negritude afrocentrada, como aduz Molefi Kete Asante.

As formas e categorias da luta de classe de matriz européia não contemplam as especificidades das desigualdades raciais como experimentada no Brasil, com o intragável tempero do mito da democracia racial.

Afirmar a afrocentricidade na produção científica, artística, cultural é sobretudo um ato político revolucionário, tal como ensinado por Oyá, mesmo que afronte e seja violento, mas é necessário para o enfrentamento do racismo, que expressa o poder concentrado de uma elite branca minoritária.

Imagem: montagem Ciranda.net e internet

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