Sou sagitariano raiz. Amo a liberdade. Adoro sair, ver gente, articular, conversar e realizar. Viajar, fazer roteiros improvisados e ouvir idiomas e dialetos desconhecidos. Vou abrir meu coração pra mim mesmo. Os últimos dez dias têm sido tenebrosos. Não é deprê. Faço tudo o que está na agenda. Apesar das dificuldades sou dedicado, determinado e disciplinado. Precisa fazer? Vou à luta. Depois desabo e me ergo. Viver é escorregar e levantar nas estradas vicinais da existência.
Entretanto, atualmente têm muitas coisas que faço por fazer. É preciso varrer a casa: varro. Tem que ler o texto e dar a minha opinião: leio burocraticamente, dou duas ou três sugestões e digo que está louvável. Pego uns pesos faço duas séries; cansei! A flauta está dormindo…
Abro o facebook e dou de cara com publicações de quatro anos (8/6/2016). Como era feliz e queria mais e mais de um mundo que pertence ao passado, e não se repetirá tão cedo. Não haverá novo normal. O mundo deu um cavalo de pau e ainda está girando como uma montanha russa desgovernada!
Foram noventa dias viajando. Setenta e cinco em retiro espiritual conhecendo e ouvindo dezenas de pessoas de todos os continentes. Não importavam as diferenças de raça, cor, sexo e país. Ali estávamos todos juntos na mesma vibração, em busca do religare que habita em nós. Somos incapazes de perceber e sentir, sem estudar e praticar as técnicas de meditação. A menos que a pessoa seja iluminada. Iluminados são poucos nesta encarnação.
Fecho os olhos tentando apreender as imagens e lembranças do passado, que ainda repousam na mente e no coração. Sou tomado por uma energia descompassada. Não sei se é verdade ou ficção. Mas continua atuando no presente jorrando correntes alternadas de dezenas de volts. Faz-me contrair os músculos e suar gelado. Tenho vontade de gritar, mas a voz está presa na garganta. De repente surge a sensação irrefreável de vômito. Corro para o banheiro. O tempo foi suficiente para destampar o vaso e despejar solenemente tudo aquilo que guardei no organismo. Joguei fora o que não me pertencia…
Aliviado, senti leve torpor e sono. Devo ter dormido umas seis horas, ou mais. Sonhei com um dos monges de Mont Ral. Ele me ensinou alguns truques para suportar mais uma jornada de solidão. Acordei sereno, leve e com fome. Preparei uma vitamina de acabate. Bebi com acompanhamento de biscoitos integrais de chocolate e cereais. Examinei o líquido esverdeado do copo e cada biscoito. As cores, a textura e a viscosidade. Parecia um ritual de agradecimento pela saúde, vitalidade e equilíbrio durante a pandemia.
Atinei. Fez-se a luz em minha consciência. Meus olhos brilharam como os olhos de uma criança ao descobrir a novidade escondida no quarto do papai, na véspera do Carnaval. Senti todos os odores e maus cheiros ao meu redor. Levantei-me, alonguei o corpo até ouvir o barulho do despertar de alguns ossos. Abri o armário e peguei uma toalha limpa. Troquei de sabonete. Queria sentir o aroma de limão siciliano, enquanto me banhava…
Banho de descarrego da energia ruim e de soltar a percepção para compreender a liberdade em pequenas coisas, que são extremamente significativas para a minha sobrevivência terrena. Está na hora de me preparar de novo para mais noventa dias de isolamento social com algumas saídas rigorosamente necessárias, inclusive para ir às carreatas pela democracia.
Corri para o telefone. É hora de ligar para o meu bem querer. Provavelmente, ela está trabalhando. Não vai atender nem vou deixar recado. A deusa saberá que telefonei e que respeito a individualidade e a profissão…
Imagem: Adroaldo Quintella – Igreja de Mont Ral, pequeno município 450 habitantes, Tarragona, Catalunha.
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