Rita Freire abre a roda sobre as mulheres
Todos esses temas estiveram presentes nas rodas de conversas organizadas pelo Fórum Mundial de Mídia Livre, dentro da programação do Fórum Social Temático deste ano, em Porto Alegre. Elas aconteceram na sexta-feira, dia 24, no auditório da Procergs (centro de processamento de dados do governo do estado do Rio Grande do Sul). Esses debates, assim como eventos que estão sendo organizados na Tunísia, Marrocos e na França, são parte do processo de preparação do IV Fórum Mundial de Mídia Livre, que deverá ocorrer no FSM de 2015, em Tunis. Rodaram muitos assuntos: mulheres livres e mídias livres, apropriação tecnológica, movimentos sociais, comunicação pública. Em cada assunto um monte de abordagens, trabalhos e projetos que os midialivristas estão desenvolvendo, compartilhamento importante de saberes.
Conteúdos é a disputa
Falamos de todas as lutas necessárias para superar o capitalismo – contra o colonialismo, contra a militarização, contra o racismo, contra o patriarcado, contra o império. Falamos de como a comunicação democratizada, o direito humano à informação e a liberdade de expressão ajudariam na mobilização e no desenvolvimento das outras pautas de luta.
Como disse Bia Barbosa, do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação), na roda de conversa Mulheres livres e mídias livres, “elas lutam para se apropriarem dos meios de comunicação para difundir conteúdos; a realidade no Brasil é que a produção de conteúdo dos movimentos sociais, dos coletivos, só encontra espaço fora da grande mídia”. A perpetuação do patriarcado tem muito a ver com a imagem de mulher que a grande mídia dissemina e as mulheres livres querem desconstruir. “Temos muito cuidado em como retratar a mulher na comunicação livre”, falou Dríade Aguiar, coordenadora de comunicação da Rede Fora do Eixo. “Mas como trocar a narrativa nessas outras mídias, como desacreditar a grande mídia?” Um tanto distante ainda dessas experiências estão povos do continente africano, de acordo com Viriato Tamele, coordenador da coligação para a justiça social de Moçambique. “As mídias tradicionais estão presentes nos países de língua portuguesa, e a desconstrução não chega lá, o que passa são os vândalos”.
Bia Barbosa com a fala
Redes e tecnologia
Falamos de comunicar para mobilizar e de mobilizar para comunicar. Falamos da importância de fazerem-se comunicadores livres as mulheres e os homens, de todas as etnias e idades, de todos os lugares.
“As redes sociais somos nós”, afirmou Thiago Skárnio, do Pontão Ganesha de Cultura Digital, Florianópolis (SC), na roda sobre apropriação tecnológica. “Utilizamos tecnologia proprietária, controladas por corporações e não temos acesso aos códigos de protocolos, essas redes podem ser fechadas para nós a qualquer momento”. Nesta roda, o assunto era a criação de protocolos livres para fugir da censura, do controle dos nossos dados e conteúdos, dos mapeamentos de nossxs lutadorxs, da perda da memória da história como nós a escrevemos.
Thiago Skarnio e Dríade Aguiar
Vários coletivos presentes pesquisam e desenvolvem tecnologia livre. “Não conhecemos o código, o que eles fazem com as informações”, opinou João Paulo Mehl, do Soy Loco por Ti, coletivo de comunicação, cultura e integração latinoamericana, de Curitiba (PR), defendendo o software livre. “Você tem possibilidade de conhecer tudo, modificar se quiser. É debate de soberania nacional e dos movimentos sociais montarem estratégias para sairmos do software privado”. Michele Torinelli, da mesma organização, falou sobre o fetiche da técnica, que na verdade é determinada por relações políticas e sociais. “O software livre só se desenvolverá quando as pessoas entenderem sua importância e buscarem aprender para usar”. Jerry de Oliveira, da coordenação do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), de Campinas (SP), lembrou que o debate de tecnologia passa também pelas rádios comunitárias, onde no momento existe uma grande disputa de tecnologia, que é a disputa do espectro para a rádio digital.
Falamos das redes e da internet, mas também do jornal do poste, do grafite, do panfleto, das rádios comunitárias, da imprensa feminista, sindical. Falamos da comunicação criada e utilizada pelos movimentos sociais.
Rosane Bertotti, presidenta do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações) e secretária nacional de comunicação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), começou a roda de conversa Movimentos Sociais e Mídia Livre, lembrando da mesa de convergência de que participara pela manhã, no FST, “Contra o Capital, Democracia Real”. “Se não garantirmos liberdade de expressão em nossos países não haverá democracia!”, indignou-se ela, contando que das sete falas da mesa, apenas na última, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, falou da importância da democratização das comunicações e da liberdade de expressão para a democracia real. Rosane deixou bem claro que falamos do direito à liberdade de expressão para todos e todas. “Os donos dos meios (comerciais) usam a sua liberdade de expressão para cercear a liberdade de segmentos e movimentos, pela invisibilidade ou pela criminalização”.
Jerry Oliveira e Rosane Bertotti
Disto entende bem o Jerry, do movimento nacional das rádios comunitárias, condenado a 5 anos em regime aberto. Enquanto ele esteve em Porto Alegre, a Anatel se fez presente na região de Campinas tentando criminalizar 8 rádios comunitárias. Conseguiram fechar apenas uma, em Capivari, frustaram-se na maioria delas graças à experiência do movimento. “O papel fundamental dos meios comerciais é ser o maior aparelho ideológico”, falou Jerry. “Os movimentos sociais constroem formulações sobre democracia, é necessário que o espectro seja dos movimentos, a mídia privada leva à desumanização da sociedade”. Os números da criminalização das rádios comunitárias no Brasil são emblemáticos: 11 mil rádios fechadas nos últimos sete anos e cerca de 30 mil companheiros criminalizados! Alan, do movimento no RS, acha que “ocupar o espectro eletromagnético é fundamental, construir a cultura de ocupar, romper as limitações”.
Bia Barbosa acha que temos vários caminhos e precisamos ocupar espaços de todos os tipos, embora ainda sejamos parcela pequena a debater a democratização dos meios de comunicação. “Temos um desafio, construir convergências, a reforma das comunicações tem que vir junto com a reforma política, onde podemos ligar com a questão dos políticos donos de meios de comunicação”, opina Bia, que acredita estarmos diante de um ano muito importante para discutirmos a nossa pauta. Norma Fernandez, documentarista e ativista argentina, participou do coletivo que construiu o processo para a “Ley de Medios” no país vizinho. “Passamos quatro anos percorrendo os setores acadêmico, sindical, camponês, indígena e outros”, conta, “e tudo se uniu à necessidade do governo de aprovar a lei. Mas agora precisamos rearticular todos aqueles atores de luta novamente”. Segundo Norma, demorou muito para a lei entrar em funcionamento e agora há discussão longa sobre o que fazer. “Aprovar uma lei não faz com que tenhamos democracia na comunicação!”.
Falamos de jornalismo e de antijornalismo, que finge ser neutro. Falamos de diploma universitário, dos comunicadores sem diploma, o que é comunicação. Falamos de meios privados, estatais e públicos, o que deve ser comunicação pública?
A mídia pública participa de um novo território de luta por democracia na América Latina e está em busca de novos modelos e dinâmicas que consolidem seu papel na promoção do direito à comunicação e da liberdade de expressão. “Mas como transformar as mídias públicas em mídias livres?”, perguntou a jornalista e pesquisadora argentina Magali Yakin, no início da última roda de conversa: Mídia pública como território para a mídia livre. Algo essencial no processo de construção de um mundo mais justo e democrático, já que “as informações internacionais estão submetidas a um monopólio de 5 agências, instaladas na Europa e nos Estados Unidos”, nos lembra Magali. “São agencias vinculadas à mesma interpretação políticoeconômica e que produzem 80% das informações para os meios comerciais”. Ela acompanha o processo de criação da ULAN – União Latinoamericana de Agências de Notícias, que tem a participação, por enquanto, do Brasil, Argentina, Cuba, México e Peru. Como indga Magali, “como podemos não saber nada do que se passa nos países vizinhos? Sabemos mais das eleições primárias dos EUA do que dos nossos movimentos sociais!”.
Iniciativa semelhante aconteceu nos anos 1950, nos conta Mário Augusto Jakobskind, presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e membro do Conselho Curador da EBC (Empresa Brasil de Comunicações), “interrompida pelo golpe de 64 que teve amplo apoio dos meios de comunicação de massa; os avanços do momento ocorrem graças ao apoio dos Estados”. O jornalista citou os ganhos de espaços da mídia comunitária em alguns dos países latinoamericanos, defendeu que as mídias comunitárias devem ter cada vez mais espaço no espectro público e defendeu a ocupação e fortalecimento da EBC. “Quando foi criada houve uma grita dos meios de comunicação tradicionais, eles temem o contraponto, eles temem que a mídia pública seja território de liberdade de expressão”.
Magali Yakin, Rosane Bertotti, Rita Freire e Mário Jakobskind
Autonomia da mídia pública é fundamental. Autonomia política perante o Estado e autonomia financeira foram defendidas por Rosane Bertotti, também conselheira da EBC, “a comunicação pública deve estar a serviço do público e nosso principal desafio hoje é transformá-la realmente em canal nacional”. Rita Freire, da Ciranda e vice-presidenta do conselho da empresa brasileira, defendeu que a mídia pública deve ser laica e que deve ter parcerias com várias mídias livres. A qualidade da programação, a necessidade de garantir maior alcance da radiodifusão pública, o direito de antena, o financiamento dessa mídia para garanti-la independente de governos, vários foram os aspectos debatidos. “Qual estética a televisão pública deve seguir?”, perguntou Vânia Correia da Agência Jovem de Notícias, do projeto Viração. “A TV Brasil deve ser espaço para criar o contraponto de opinião e também espaço para as produções dos jovens, com sua própria estética”.
Também esteve em pauta nessa roda o atual momento de renovação do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação EBC, que está com edital aberto para o preenchimento de cinco vagas da sociedade civil, com a presença de integrantes atuais do colegiado. “A sociedade desconhece a EBC, os vários veículos que a compõe”, analisa Bia Barbosa. “Devemos aproveitar as eleições do Conselho para debater a comunicação pública. Nada do que temos está garantido, há disputas internas no Conselho, onde vamos passar a ter dez membros indicados pela sociedade civil. Vamos construir uma articulação para indicar nomes que tenham compromisso coletivo com a nossa luta!”.
Comunicadoras do Coletivo Camará, de São Vicente (SP) entrevistam Viriato Tamele, de Moçambique