Feminismo é cultura contra-hegemônica

Divulgada massivamente pela indústria cultural como algo que possa ser comprado. Está é a visão predominante em nossa sociedade do que seja arte e cultura, de acordo com Marta Baião, estudiosa e atriz, coordenadora do CIM-Centro Informação Mulher, feminista histórica e militante da Marcha Mundial de Mulheres. Ela participou nesta quarta-feira do painel “Feminismo e Cultura: a construção da contra-hegemonia”, Participaram também do painel Andrea Rosendo, cantora, do Coletivo Comadre Maria, de Minas Gerais e Camila Paula, poeta e atriz, uma das organizadoras do Beco dos Artistas, em Mossoró. Pontuado por poemas (Camila e Marta), música e teatro (Andrea Rosendo) e os repentes de uma cordelista e também militante da Marcha que se apresentou diversas vezes, mas não consgui pegar seu nome.

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Marta Baião

O conceito corrente na sociedade é o “ter e não ter cultura”, como disse Marta Baião, “que é a maneira burguesa de ver a cultura, masculina”. Ter cultura é para quem faz as leis, para quem estuda, faz faculdade, conceito que vem da burguesia e que é a visão da cultura como produto que pode ser comprado. Para a militante, “cultura é tudo que compõe o imaginário coletivo, memória, arte, produção, reprodução, gestualidade, oralidade, cheiros, crenças, moda, leis, regras, tipos, comportamentos, a produção coletiva de tudo que se faz na sociedade”.

Um dos consensos entre as palestrantes é a dificuldade de colocar o debate estratégico sobre a arte e a cultura nos movimentos de esquerda. “Cultura e arte ainda é entretenimento”, falou Marta Baião, “somos o espaço do acessório, da diversão, do lazer.” “Somos apêndice do movimento social”, falou Andrea Rosendo. “Dentro da esquerda, do movimento revolucionário, temos poucas experiências em que a cultura é pensada como ferramenta. Nas reflexões cotidianas sobre o projeto de uma nova sociedade não encontramos espaço para a arte e a cultura”. Todas as presentes defenderam que a cultura seja um tema permanente entre as feministas e um debate a aprofundar na Marcha Mundial de Mulheres.

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Andrea Rosendo

Outra coisa que pareceu consenso, apesar de um grande debate sobre se existe ou não existe cultura ruim, foi de que “não se deve criminalizar qualquer cultura e sim procurar entender do que ela se alimenta”, como disse Camila Paula. Ela também falou contra a divisão entre “erudito e popular, como se o bom fosse o que é de rico, branco, piano, balé”. Juntando as duas questões, Andrea questionou a maneira como são tratados os artistas populares, inclusive pelos movimentos. Mas foi o funk que esteve mais tempo no centro do debate, junto com outras manifestações da chamada “cultura periférica”, com posições diferenciadas que passaram por muita informação e troca de realidades no debate.
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Camila Paula

Feminismo e contra-hegemonia

Passeando por Brecht, pelo teatro shaspeariano, elizabetano, e partindo da Ágora e do Gineceu, onde as mulheres de Atenas eram confinadas, Marta Baião discorreu sobre a submissão e interdição das mulheres na vida pública e nas artes, “desde a tragédia”. E de como os homens sempre construíram teses sobre as mulheres, como parte da construção cultural do ser masculino e feminino que vem da filosofia grega, imposto hegemonicamente como consenso. “. As mulheres só subiram nos palcos no final do século XIX. É preciso desconstruir esse modelo que foi construído por séculos ”.

Para Marta, o feminismo surge como contracultura, ali pela virada das décadas de 1960/70, quando enfrentávamos a ditadura aqui no Brasil, e as lutas se davam conjuntamente. “Ser feminista é contra-hegemônico, porque o feminismo propõe fugir dos modelos”. A pensadora da arte e do feminismo também acredita, e todas concordaram, que hoje vivemos mais do que hegemonia, pois a elite impôs um pensamento único. “Com tantos avanços tecnológicos, nunca houve tanto retrocesso, a televisão e a mídia em geral divulgam exatamente os mesmos valores lá de trás!”

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Canto de lavadeira

Tendo começado sua fala, apresentando um “canto de lavadeira”, “música da cultura popular cantada demais em Minas Gerais”, Andrea diz que “a opressão às mulheres sempre vai aparecer no que produzimos”. Seu Coletivo Comadre Maria “surgiu na universidade como demanda de auto-organização das mulheres e para debater a questão da negritude”. Ela chamou a atenção para a construção feita pela cultura hegemônica com o axé de raiz e o funk de raiz. “Abominados pelo senso ‘culto’, quando na verdade houve uma apropriação e transformação.

A jovem Camila Paula contou-nos sua experiência na construção do Beco dos Artistas, uma ocupação cultural contra-hegemônica onde o machismo se revelou logo de início. “A sociedade é pronta para os homens”, falou Camila. “O machismo nos provocou organizamos uma intervenção feminista com falas e poemas”. Outra experiência que ela contou foi a de sentir (e ouvir) freqüentemente a estranheza das pessoas por suas poesias que não são de amor, são mais políticas. “Se nos empoderarmos na cultura vamos revolucionar!”.

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