O inusitado de Porto Alegre

Foto: Vicente Carcuchinski, Câmara Municipal de Porto Alegre

Situações jurídicas inusitadas acontecem em Porto Alegre, entre elas um pedido de “reintegração de posse” da Câmara Municipal, ocupada por manifestantes do movimento passe livre (MPL), e o agendamento de uma “audiência de conciliação” entre os vereadores e o movimento. De um lado estão o presidente do Legislativo, Thiago Duarte, e 29 parlamentares que, desorientados, pedem a saída dos manifestantes da “Casa do Povo”. Do outro lado, o povo.

O legislativo da cidade de Porto Alegre foi ocupado há cinco dias por ativistas, na véspera da mobilização nacional denominada pelos sindicatos de Dia de Luta com Greves e Paralisações. A agenda faz parte do processo de manifestações iniciado em junho pelo Movimento Passe Livre, em São Paulo, mas no dia 11 foi convocada pelas centrais sindicais unificadas em torno de bandeiras comuns dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, mais dinheiros para saúde e educação. O chamado teve apoio do MPL, e o dia também foi marcado por protestos em torno de agendas diversas, especialmente o transporte público e a democratização da mídia.

Em Porto Alegre, manifestantes do Bloco de Luta Pelo Transporte Público e outros movimentos sociais que ocuparam a Câmara Municipal reivindicam passe livre para estudantes e trabalhadores desempregados, abertura das planilhas de custos e auditoria das contas das empresas de transporte público. Além disso, elaboraram um projeto de lei para apreciação do Legislativo.

No dia 13, a Presidência da Câmara obteve na Justiça a decisão favorável à reintegração de posse, seguida de um recurso dos ocupantes protocolado no Tribunal de Justiça (TJ-RS). Ocorre que os
oficiais de Justiça que foram entregar a intimação ao movimento se defrontaram com mais de 400 pessoas, incluindo crianças, em uma “ocupação pacífica e organizada”, sem indícios de depredação do patrimônio público, conforme testemunharam.

Diante disso, na noite de segunda-feira (15), a juíza Cristina Luisa Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, decidiu suspender a retirada forçada dos ocupantes e agendar uma audiência conciliatória para a próxima quarta (17), às 15h.A juíza também levou em conta que o Diretório Central de Estudantes (DCE) da PUC-RS protocolou um pedido de inspeção judicial no local para possibilitar uma solução conjunta e negociada, sem uso da força policial.

Incapazes da solução política, 29 vereadores (à exceção do PT e PSOL), decidiram pedir ajuda ao Legislativo Estadual mas, pela decisão da juiza, terão mesmo é que ouvir o movimento social em audiência conciliatória.

Pelo estado laico e mídia democrática

Foto: Stefan Vargas

Foto: Elenara Iabel
Foto: Elenara Iabel

Passada uma fase de apropriação dos protestos por setores conservadores que aproveitaram a falta de bandeiras partidárias nas ruas para disseminar um discurso moralista, os ativistas vão deixando claro que os levantes no Brasil tem lado e seu carater é laico, progressista e as reivindicações são históricas da esquerda.

A luta pelo transporte não é a única no discurso dos ocupantes de Porto Alegre. Eles também se colocam contra a recente onda conservadora em torno de projetos para caracterizar o homossexualismo como doença e os nascituros como cidadãos com direitos, duas pautas de interesse das igrejas cristãs – católica ou evangélica. A ocupação na Câmara Municipal mandou logo seu recado contra os afagos da mídia ou dos setores reacionários. Primeiro forçou a saída de uma equipe de TV da RBS, grande conglomerado de mídia de Porto Alegre e um dos maiores do país. E depois colocou sua assinatura laica ao lado de um crucifixo exposto no alto de uma das paredes do legislativo. Em uma singela inscrição em papel, os dizeres: Jesus é gay.

O MPL e o FSM

O Movimento do Passe Livre, hoje de caráter nacional, foi fundado em uma assembleia em 2005, na mesma cidade de Porto Alegre, como parte das atividades do Fórum Social Mundial, reunindo ativistas dos estados da região Sul do país. Trazia para as práticas do movimento a cultura política inspirada no ambiente FSM, buscando a organização não hierárquica e sem orientação partidária.

No início dos protestos no Brasil, o apartidarismo do movimento chegou a ser invocado para impedir o uso de insígnias nas marchas de rua, em alguns casos beirando a agressão e permitindo distorções por parte da mídia. Isso levou o MPL a emitir uma nota pública para esclarecer que apartidarismo não é anti-partidarismo. O fato de evitar a apropriação dos protestos por lideranças partidárias não significava tolerância à usurpação por conservadores tirando proveito de anonimatos.

O MPL também foi alvo de perseguições de uma revista semanal que chegou a investigar a responsabilidade pelo registro do domínio do seu site, que acabou transferido para os cuidados de uma organização mantida por ativistas da Ciranda, que atua nos processos do FSM e do Fórum Mundial de Mídia Livre.


Colaborou Elenara Iabel

Ver vídeo com a leitura do despacho da juiza suspendendo a retirada dos ocupantes da Câmara Municipal de Poa

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