Rio+20: exercício de reflexão e cidadania

Hoje, uma das ferramentas de participação da sociedade civil, no processo de elaboração da Rio+20 – Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que ocorrerá em junho, no Rio de Janeiro, é responder a um questionário de consulta pública, disponível na página http://hotsite.mma.gov.br/rio20/consulta-publica-4/, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), até o próximo dia 25 de setembro.

Eu dediquei esta manhã para essa experiência de reflexão, que encaminhei como minha contribuição cidadã e a compartilho com vocês. Usufram dessa ferramenta e também dediquem um pouco do tempo de vocês a esse exercício. Depois, acompanhemos como será o documento final, que o governo brasileiro irá produzir sobre sua posição, que deverá ser enviado à Secretaria do evento, até o dia 1º de novembro.

QUESTIONÁRIO Rio+20

Respostas: Sucena Shkrada Resk

1. A Conferência deverá estabelecer a nova agenda internacional para o desenvolvimento sustentável para os próximos anos. Para que o Brasil exerça a liderança desse processo, deverá apresentar propostas para uma agenda de vanguarda, que eleve os níveis de ambição dos atuais debates. Qual seria a contribuição do Brasil nesse contexto?

Cumprir ou manter o processo de cumprimento dos acordos internacionais já em vigor, no tocante a Mudanças Climáticas, Diversidade Biológica, Florestas, Desertificação, Protocolo de Montreal, das Florestas Tropicais, entre tantos outros, atrelados à legislação nacional que os ratifica. Essa consonância é fundamental para dar sentido ao discurso, na forma prática. O protagonismo só se dá com a coerência, não é necessário nada arrojado, mas concreto e objetivo, e acima de tudo, ético e transparente. Mais que status de vanguarda, o Brasil, em minha avaliação, deve se preocupar em correr atrás do desafio das desigualdades em um país de extensão territorial continental, com mais de 16 milhões abaixo da linha da pobreza, outros milhares de pobres – que quer queira, quer não – estão invisíveis à maioria de nós, da sociedade, que só os enxerga como números nas estatísticas. Não sabemos identificar seus anseios, seus rostos, seus nomes… Por outro lado, tem de avaliar que trazer essa camada ao consumo não significa melhoria, se reproduzir o modelo atual. Todas essas questões têm de ser implementadas de forma conjunta. Na minha avaliação, o Brasil não pode se acomodar com um suposto curso de país emergente, que espera estar entre os status de desenvolvido. Afinal, não está se discutindo exatamente o paradigma de desenvolvimento? É muito fácil se falar do tripé ambiental, social e econômico, mas a questão é equilibrar essa balança em que todos os setores de um governo, desde o planejamento até o ambiental e de relações internacionais, falem a mesma linguagem; que os setores da economia sigam o mesmo paradigma, como também do legislativo, do judiciário, do terceiro setor, da Academia etc. Os cidadãos precisam ter noção de sua participação nessa cadeia.

2. Como poderá a Conferência causar impacto no debate interno sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil e contribuir para as necessárias transformações do país rumo à sustentabilidade?

Desde que permita, de fato, o envolvimento da sociedade civil (organizada ou não) e inclua a camada significativa do planeta, dos cidadãos excluídos, que estão abaixo da linha da pobreza e na pobreza. O fato de o evento oficial ser no Rio Centro e o civil, na Praia do Flamengo (como ocorreu em 1992), a uma distância estimada de 40 km, simboliza certo afastamento. Essa distância terrestre pode ser superada por mecanismos de compartilhamento promovidos pela organização do evento. Como um trabalhador comum, estudante, desempregado, dona de casa, que tem dificuldade de pagar transporte público e ter acesso a serviços de qualidade, pode fazer esses deslocamentos? A verticalização vem na contramão da democracia, do processo inclusivo. É preciso lembrar que todos os governantes (de uma maneira geral, nos regimes democráticos mundiais) são eleitos pelo povo, são seus representantes. A comunicação que antecede ao evento é mais fundamental ainda, neste sentido, tendo em vista, que sem conhecimento, a população não tem condições de se envolver, de reivindicar, de sugerir e de ser empoderada (isso envolve todos os diferentes tipos de mídias – desde rádios comunitárias, concursos de ideias e jornais murais nas escolas, nas discussões nos condomínios, em associações de amigos de bairro, em audiências públicas e no bom uso das redes sociais e das mídias, em geral). As políticas públicas e setoriais da economia dependem dessa conjunção, e deve estar calcadas nos pilares já conhecidos, que fundem justiça social, com capacitação e geração de empregos justos; proteção da biodiversidade, investimento em energia renovável e limpa, reforço do pilar da educação socioambiental, que tenha a premissa do consumo sustentável, investimento em saúde ambiental, que envolve desde a infraestrutura do saneamento. De nada adianta se avançar no PIB (Produto Interno Bruto) do país, se o mesmo não tem coleta e tratamento de esgoto em 50% e se não investe também em economia solidária, criativa, em modais na área logística que infiram transportes menos poluentes e coletivos, como também, na efetiva implementação do Estatuto das Cidades, que exige planos diretores consistentes, em consonância com o artigo 225 da Constituição Federal a legislações como o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, em consulta atualmente.

3. Como poderá a Rio+20 assegurar a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável? Como poderá contribuir para o fortalecimento do multilateralismo, ultrapassando as divisões tradicionais (exemplo: Norte-Sul)?

Desde que teça acordos políticos consistentes, que implementem, melhorem ou atualizem acordos, tratados e protocolos que já estão em curso, muito antes e depois da Rio 92, que fazem parte de fóruns, como as conferências das partes das convenções climática (tendo em vista a expiração da primeira etapa do Protocolo de Kyoto, por exemplo), da diversidade biológica (já firmado contra a biopirataria…), da desertificação, das florestas, das implementações de fundos já acordados para a assistência a países vulneráveis, da implementação do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação e do REDD+, além do investimento maciço em tecnologia de mecanismos de desenvolvimento limpo, de fato. Também é importante que se reveja a Agenda 21, a sua real dificuldade de implementação e, se necessário, a atualize, e prioritariamente a torne acessível em diferentes linguagens – de acordo com a faixa etária, alfabetização (infelizmente, ainda nos deparamos com o analfabetismo, que é um dos gargalos a serem superados com vigor e vontade política). Mais um ponto é trazer à tona a reafirmação do compromisso que está sendo proposto pela 2ª Jornada Internacional de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. O poder de escolha de um cidadão só acontece a partir do conhecimento e da prática. Nisso, incluo o respeito aos saberes tradicionais, não só da boca para fora, mas numa interrelação frutífera de suas melhores contribuições para a fundamentação do tripé da sustentabilidade. Não basta termos a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, se são ignorados, em muitas circunstâncias, em suas manifestações. Todas essas questões estão calcadas em princípios da própria Carta do Rio e da Carta da Terra.

4. Quais são os principais avanços e lacunas na implementação dos documentos resultantes das Cúpulas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro, 1992 e Joanesburgo, 2002)?

De uma forma resumida, os gargalos são decorrentes de vontade política e do fato de grande parte dos países não revisarem os modelos de desenvolvimento, baseados na sociedade de consumo advinda da Revolução Industrial. A palavra desenvolvimento, com os anos, foi perdendo o seu real sentido pragmático proposto, desde a Conferência de Estocolmo, em 1972. A locomotiva de um país empreendedor não pode atropelar a justiça social e o meio ambiente, por uma questão óbvia: sobrevivência. Enquanto essas ligações não forem feitas pelos governantes, pelo poder legislativo, pelo judiciário, pelas grandes a pequenas empresas, pelo terceiro setor, pelos segmentos de comunicação e por nós, da sociedade, como um todo, nada mudará. Os sinais vêm em doses homeopáticas, quando as opções de financiamentos e subsídios e políticas setoriais e internacionais, por exemplo, priorizam monocultura e pecuária extensivas, modelos construtivos que não são ecoeficientes, extração exacerbada de bens naturais, corrupção, aparelho de fiscalização deficiente para dar conta da implementação das políticas, produção de bens de consumo obsoletos, e defesa de que o consumo e mais consumo de bens é sinônimo de qualidade de vida, entre tantos outros problemas. No campo de avanços, vejo o Protocolo de Montreal. Outro é o Protocolo de Acesso e Repartição de Benefícios dos Recursos Genéticos da Biodiversidade (ABS, em inglês), assim, como a mobilização de recursos financeiros (mas que dependem de implementação).

5. Quais são os temas novos e emergentes que devem ser incluídos na nova agenda internacional do desenvolvimento sustentável? Quais temas contemplam, de forma equilibrada, as dimensões ambiental, social e econômica?

Na minha opinião, se fizermos um paralelo com a ECO 92, os temas “novos” fazem parte do leque das energias renováveis. Os demais já vêm sendo discutidos desde lá e muitos, antes, como economia solidária, criativa, agroecologia, educação ambiental transversal etc.

6. A economia verde deve ser uma ferramenta do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, novos padrões de consumo e produção devem guiar as atividades econômicas, sociais e ambientais. Quais seriam esses novos padrões?

Não se trata de inventar a roda, seja qual nome for dado. Essa discussão, que infere pegada ecológica e trabalho justo, vem desde o documento Os Limites do Crescimento. Os padrões têm como base produzir de forma racional, consumir menos, reaproveitar, melhor distribuir e compartilhar. Se a expectativa de sermos 9 bilhões de pessoas, em meados da metade deste século, se firmar, quantos mais padecerão por falta de água, alimento, por má distribuição, por meios indevidos de cultivo, de políticas, de guerras, por regimes ditatoriais, como pano de fundo? O desenvolvimento sustentável tem a premissa de a gestão de conhecimento e da tecnologia ser democratizada., por meio de ideias, capacitações, equipamentos e ações, gerando empregos justos. Os efeitos climáticos são latentes e visíveis. Queremos perpetuar situações como as que ocorrem nos morros, vales e rincões brasileiros, no Chifre da África, no Haiti, na América Latina, na Ásia, ou melhor nos centros urbanos, onde vivem cerca de 80% da população? Queremos perpetuar o ciclo de troca de aparelhos sonoros, domésticos, veículos, como se fosse algo sem impacto algum? Queremos construir edificações com ar-condicionado e usar milhares de folhas para imprimir nossos documentos e utilizar utensílios descartáveis de todo tipo; queremos ver nossas torneiras sem água, porque desperdiçamos em atos simples, como lavar calçada com mangueira ou deixarmos abertas as torneiras ao simples escovar dos dentes, ou então, no processo de geração de energia, desperdiçarmos cerca de 30%? A economia verde prescinde da reeducação, do entendimento dessas conexões, dos porquês, dos ciclos, sem nenhum processo demagógico. Quando se fala do ganha-ganha, aí está um sentido muito mais profundo do que possamos imaginar. É um aprendizado contínuo a que nós temos de nos submeter como consumidores, cidadãos e como gestores etc.

7. Há consenso político de que as políticas e instrumentos para a implementação da economia verde deverão variar de acordo com o contexto de cada país. Com essa premissa, e considerando o desafio da erradicação da pobreza, como a transição para uma “economia verde” pode ser inclusiva e contemplar princípios de equidade entre gerações, entre países e dentro de um mesmo país?

O princípio é implementar as propostas de forma ética e transparente. A aparente perda econômica, considerada por setores produtivos, para os conceitos desgastados de economias pujantes da locomotiva do crescimento se desconstroem em médio e longo prazo, quando se entende o que é a governança da sustentabilidade. A economia capitalista já mostra os seus sinais de apatia, com a Crise Economia desencadeada em 2008, os processos são cíclicos na História. Investir em tecnologia limpa, em impostos que não sejam abusivos, em educação socioambiental e para a cidadania, em capacitação, em geração de emprego decente, que não comprometa a saúde física e mental das pessoas é um princípio básico em países pobres, em desenvolvidos e nos desenvolvidos. A troca de conhecimento, ajudas financeiras entre os mais ricos e pobres tem de sair do campo dos discursos. As pessoas morrem aos milhares diariamente e isso não é retórica.

8. Qual o modelo de estrutura institucional que permite integrar melhor as agendas e atividades das instituições responsáveis pelos pilares econômico, social e ambiental do desenvolvimento sustentável, nas esferas internacional e nacional?

Acredito que os modelos participativos, os quais integrem os mais diferentes atores (gestão pública, legislativa, judiciária, financeira, da iniciativa privada, do terceiro setor, da academia e da comunicação, entre outros. Considero essencial não se esquecer das minorias, porque as mesmas, têm de se manifestar.

9. Quais sugestões poderiam ser feitas para que a implementação de projetos de agências internacionais no País seja realizada de forma coordenada, evitando a duplicação de esforços?

Discute-se formar uma agência ou organismo deliberativo no Sistema ONU, que pode ser a junção de muitos braços já existentes, do reforço do PNUMA ou de um novo órgão. Seja como for, acredito que o que está em jogo é a credibilidade, que tem de ser construída. O diálogo para a efetivação de ações parte do princípio, de projetos com horizonte de curto, médio e longo prazos colocados à mesa, no âmbito global e de convergência com os planos nacionais, que podem ser divididos por diferentes formas: continentais, por biomas, por condições socioambientais similares. Em cada país, há muitas realidades que se convergem. É aí que a união de forças pode dar certo para empreender, mitigar e adaptar. Não adianta também o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BIRD – Banco Mundial, o FMI – Fundo Monetário Internacional, o Fórum Econômico de Davos, o Fórum Social Mundial, o G20, o G77, os BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as representações africanas, asiáticas não se dialogarem, serem dissociadas. Desenvolvimento significa unir todas essas instâncias deliberativas ou não pelo bem comum da humanidade e da conservação da vida no planeta. Obviamente não é uma tarefa fácil, mas é possível. É preciso se superar antagonismos seculares de campos ideológicos e da práxis do próprio sistema ONU e dos regimes internos políticos também dos países, dos estados e dos municípios. Do macro ao micro e vice-versa.

10. Como fortalecer a governança ambiental internacional, particularmente o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em seu papel de apoiar os países na implementação dos compromissos ambientais e de formação de capacidades, promovendo a melhor interação entre os acordos multilaterais ambientais, entre si e com o Programa?

A resposta acima coincide com essa questão.

11. Qual o papel dos atores não-governamentais no sistema multilateral e de que forma as estruturas de governança das Nações Unidas podem viabilizar a participação e o reconhecimento das visões e demandas desses atores, de forma a não só influenciar o processo decisório como, também, de torná-los mais comprometidos com a implementação das decisões?

Todos devem estar à mesma mesa e ao mesmo tempo irem a campo, se defrontarem de perto com os problemas da vida real, ouvirem os demais atores. As políticas de Estado têm de ser vigorosas, independentes de eleições, e implementadas e corrigidas, se necessário, no curto, médio e longo prazo, visando as benfeitorias com “longa vida útil”, que atenda às atuais e futuras gerações (Sucena Shkrada Resk).

Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk – www.twitter.com/SucenaSResk

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