A Região Norte compreende a área geoeconômica da Amazônia. É composta por uma das maiores populações afrodescendentes do Brasil. Segundo dados do Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as(os) negras (os) e pardas (os) representam 66% da população, cerca de 11 milhões de pessoas.
Conforme as lideranças, a falta de recurso representa um dos principais obstáculos para a elaboração de políticas com foco na população negra da região. As mulheres negras são as mais afetadas. As discriminações estão no mercado de trabalho, no ambiente acadêmico e até em ações com foco na eliminação da violência. Nos estados, o desafio das organizações de mulheres negras é alinhar as questões de gênero, raça e classe social nos projetos de desenvolvimento da Região Norte.
Nesta conversa, Nilma Bentes e Maria das Dores Almeida propõem alternativas para a construção de políticas de combate à pobreza. Elas ressaltam a necessidade de incorporar as mulheres negras. As lideranças também falam sobre a implementação de políticas regionais de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo.
Na opinião de vocês, como deveriam ser pensadas as políticas de combate à pobreza no Brasil?
Maria das Dores Almeida: Creio que as políticas devem ser pensadas a partir de uma visão mais específica de cada região considerando as questões raciais, da regionalidade e orientação sexual. Os projetos precisam considerar as especificidades de cada região e o que as mulheres sabem fazer. Por exemplo, se são pescadoras, como essas pescadoras vão gerar renda. Se são quilombolas, como ajudá-las a escoar os produtos.
Nilma Bentes: É preciso ações simultâneas para tentar erradicar a pobreza. No núcleo da classe de baixa renda existe uma riqueza muito grande de criatividade, porque pra sobreviver tem que ser criativo. As políticas têm que aumentar a auto-estima da população negra. Nós não devemos ser somente objeto da assistência social, mas protagonistas. As políticas precisam ser construídas conosco e não para nós.
Que avaliação vocês fazem das políticas de enfrentamento ao racismo no Brasil e na Região Norte do país?
Nilma Bentes: O Brasil tem muitas leis e muitos problemas quanto à operacionalização dessas normas. Existem ganhos, mas ainda falta muito. É importante destinar mais recursos para a população negra, ampliar algumas leis já existentes e adotar novas medidas, como exigir que as empresas que prestam serviços para o Estado incluam cotas para a população negra nos processos de contratação e a reserva de vagas em concursos públicos.
Maria das Dores Almeida: A forma como a mídia trata leis para população negra faz com que o próprio negro não queira os benefícios e se considere inferior, sem a mesma capacidade que um branco. Por exemplo, temos a lei 10.639 [que inclui o estudo da História da África, dos africanos, a luta dos negros no Brasil e a cultura negra brasileira no currículo oficial da rede de ensino brasileira], existem publicações, conteúdos, mas as escolas e a Secretaria de Educação do Estado continuam dizendo que não têm material, não tem recurso. Acontece que não existe interesse em implementar as políticas para população negra. E sem vontade política, a gente não anda.
Como está o trabalho realizado pelas organizações de mulheres negras da região Norte para o enfrentamento ao racismo e a violência de gênero?
Maria das Dores Almeida: No IMENA (Instituto Mulheres Negras do Amapá) desde sua fundação, temos trabalhado questões ligadas à eliminação da violência contra a mulher e realizado debates sobre racismo institucional, fizemos uma campanha sobre esse tema. Atuamos nos conselhos de direito da mulher tanto no município como no estado. É um trabalho árduo. Existe uma Rede de Atendimento à Mulher que partiu da nossa instituição, mas as mulheres negras não foram beneficiadas por mais essa política. A Lei Maria da Penha ainda não chegou para as mulheres negras da Rede. É uma luta nossa, mas nosso público não é beneficiado com a política.
Nilma Bentes: Nossa região está no foco por causa das discussões sobre matriz energética. Nesse sentido, não podemos tratar exclusivamente da questão da mulher, temos incidido em outras áreas levando nossos temas. Nós temos o desafio de pensar globalmente e agir localmente. É preciso conciliar as necessidades da região em relação às questões ambientais, mas também pensar na população que está ali.
Maria das Dores Almeida: Concordo com Nilma, os projetos de desenvolvimento na região da Amazônia têm trazido para nós questões muito grandes. Então não dá pra pensar somente na questão da mulher, mas como as mulheres e homens das comunidades rurais serão impactados. Nós temos trabalhado essas questões em conjunto. Além de dar conta da questão racial, temos que dar conta desse modelo de desenvolvimento para que aconteça da forma que nós queremos.
Qual é o papel da ONU Mulheres para a melhoria da vida das mulheres negras brasileiras? Como a entidade pode atuar na região Norte edo Brasil?
Nilma Bentes: Gostaria que as mulheres do povo, as mulheres de baixa renda também participassem das ações. Nós queremos que as mulheres quilombolas e indígenas da região da Amazônia também tenham vez nas ações da ONU Mulheres e que ela possa fortalecer as organizações locais, para tentar mobilizar a população para a equidade de gênero e raça.
Maria das Dores Almeida: A ONU Mulheres precisa estar presente nas regiões, para que realmente mude a realidade das mulheres. Algumas delas não participam de ONGs, mas também estão organizadas. Seria ótimo se a ONU Mulheres chegasse mais perto dessas mulheres para conhecer sua realidade, trazer os projetos que condizem com essa realidade e colaborar para que possam buscar apoio junto à Secretaria de Mulheres, que é quem constrói as políticas.
Fonte: cedenpa.org.br
ONU Mulheres – Nº 18 – Maio de 2011