Fotos: Eduardo Seidl
Num cenário internacional em transformação, com perspectivas para a construção de uma nova correlação de forças em âmbito global, uma nova questão passa a ser central na disputa por poder e hegemonia: o debate ambiental e da sustentabilidade do planeta. Em disputa também está o próprio conceito de sustentabilidade, um dos temas em discussão no seminário internacional “Dez anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível”, atividade da décima edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
Trata-se de um conceito amplo, que vai desde a luta contra a privatização e mercantilização da natureza, da terra, da água, das sementes, da cultura e do conhecimento – os chamados “bens comuns” -, até a garantia da soberania alimentar e a idéia do equilíbrio e inter-relação entre todos os seres vivos que habitam o planeta.
“Falar em sustentabilidade significa buscar respostas a um modelo de desenvolvimento que, há mais de 200 anos, vem promovendo a destruição do meio-ambiente e o desgaste social universal em níveis insustentáveis”, explica Iara Pietricovsky, do INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos). “Vivemos com muita frustração e ressentimento a dificuldade dos líderes mundiais, reunidos em Copenhague, entenderem a emergência de transformar o processo de relação do ser humano com a natureza. Esses processos são fundamentais de serem reorientados e alguns até rompidos. Há que se fazer um processo de rupturas radicais para que possamos encontrar novas formas de desenvolvimento e novos processos históricos que, de fato, impliquem em justiça social e em desenvolvimento sustentável”, acredita.
Parece, no entanto, haver um desafio anterior ao convencimento das lideranças mundiais: colocar esta luta no centro do programa do movimento altermundista. Para Fátima Melo, da FASE e da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), o próprio campo dos movimentos que se organizam em torno do Fórum Social Mundial vive uma redefinição de paradigmas, onde ser anti-neoliberal e anti-imperialista não é mais suficiente.
“Os primeiros anos do Fórum se organizaram em torno do “anti-Davos”. Agora temos que somar a isso a luta pelos bens comuns e pela desprivatização da natureza. No ano passado, o Fórum aconteceu em Belém e se inaugurou um novo ciclo para o movimento global, que se desdobrou nas ruas de Copenhague. Agora, temos o desafio de explorar a diversidade e pluralidade do nosso campo, com capacidade de incidir sobre a política, e abrir este debate num patamar mais elevado e de forma consistente com os partidos políticos”, avalia Fátima.
Do outro lado deste diálogo, um caminho que não será tão simples. Mesmo em países governados por lideranças apoiadas pelos movimentos sociais, falta a consistência necessária para a transição para um novo modelo. Qual a matriz energética a ser promovida? Qual o papel das empresas públicas? Não são poucos os países que mantêm projetos insustentáveis do ponto de vista ambiental.
“Desde a ditadura militar no Brasil, tivemos uma política de ocupação do território amazônico via uma ofensiva de derrubada da floresta para o comércio madeireiro e implantação das fazendas de gado. Esse processo hoje não só não está sendo combatido como segue sendo incentivado. Assistimos a uma política que não realiza a reforma agrária e regulariza terras griladas, roubadas das comunidades tradicionais. E vivemos também um ataque aos nossos rios, através do plano energético, que prevê a construção de mais 200 barragens nos rios da Amazônia”, critica Luis Arnaldo Campos, do Fórum Pan Amazônico. “Até hoje a Amazônia é exportadora de produtos, numa política que causa enormes danos ambientais e não deixa nada para os povos”, completa.
A mesma crítica vem de uma liderança indígena peruana, onde os governos liberam a exploração de recursos naturais, via concessões a empresas multinacionais, em terras consideradas sagradas.
“E tudo isso acontece sem consulta aos povos indígenas. Por isso nos mobilizamos, para mostrar ao mundo que não estamos de acordo com essas práticas, que nos impõem um desenvolvimento que não é o que queremos. Não podemos permitir que continuem nos atropelando, enquanto nossas gerações perderão todos os recursos”, afirma Henderson Rengifo, da Associação Inter-étnica pelo Desenvolvimento da Selva Peruana. “A globalização custou muitas vidas aos povos indígenas. Defenderemos o que temos porque, enquanto isso existir, seremos o povo mais castigado. Estamos lutando por nossa sobrevivência”, diz.
Como lembrou a também indígena Rosa Chavez, da Convergência Waqib’Kej, da Guatemala, que reúne 30 organizações do povo maia, não se trata de construir novas vias e alternativas, mas de recuperar as práticas de convivência com a natureza que existem há milhares de anos, preservadas pelos povos tradicionais. Talvez estejam aí as respostas que o movimento altermundista busca, como um presente deixado pelos ancestrais.