Fotos: Eduardo Seidl
A crise internacional vivida pelo sistema capitalista no último ano expôs a fragilidade do modelo neoliberal. Mesmo para os mais adeptos da teoria do livre mercado, ficaram explícitas suas conseqüências em relação à desigualdade social e à concentração de renda e o absolutismo o modelo passou a ser questionado. Segundo as Nações Unidas, em 2009 mais de um bilhão de pessoas passou fome; um bilhão também não teve acesso à água. Há aqueles que afirmam que ultrapassamos os limites da sobrevivência da humanidade. Apesar do quadro apocalíptico, muitos países começam a sair da crise econômica sem que respostas concretas de superação do capitalismo tenham sido trazidas à mesa. Na avaliação de ativistas do movimento altermundista que participam das atividades da décima edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, nem governos nem movimentos populares apresentaram alternativas ao sistema hegemonizado pelo capital, perdendo uma oportunidade histórica para, de fato, superá-lo.
“O capitalismo, como sistema global, é incompatível com a preservação da vida. Hoje vivemos uma exigência radical de reverter essa lógica de crescimento e promover uma radical redistribuição do acesso dos seres humanos aos bens comuns”, afirma Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela. “No entanto, a sociedade capitalista conseguiu a incrível globalização da subjetividade, da consolidação no imaginário da realização da vida pelo consumo. Este padrão individualista de consumo e de produção do conhecimento está a ponto de ganhar a batalha final”, avalia.
Para Paulo Vizentini, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mesmo que a esquerda diga que outro mundo é possível, ela não ainda sabe muito bem que mundo é esse, nem como chegar lá. “Nos últimos anos, começou-se a resgatar o conceito de desenvolvimento e a promover uma maior intervenção do Estado, com a volta das políticas sociais, que haviam sido abandonadas nos anos 90. No entanto, ao olharmos para o quadro em âmbito global, os avanços são menores do que o desejado”, acredita Vicentine.
“O mais sério é a incapacidade de articular uma resposta política à crise econômica internacional. Não houve uma resposta tão forte quanto era necessário. A esquerda ainda age muito na resistência, sem ocupar espaços que são abertos. Há um sistema que de certa forma está falindo, mas consegue sobreviver face à ausência de uma posição mais contundente. Somam-se a isso as tentativas de cooptação de países emergentes, como China e Brasil, via a construção de propostas como o G2 [China e EUA], para que abandonem um novo projeto de desenvolvimento”, completa.
Ao mesmo tempo, os fatores de consolidação do socialismo como um sistema alternativo ao capital se retraíram. Para muitos, não é possível falar em socialismo do século XXI sem que se faça um balanço aprofundado e crítico do que aconteceu com o socialismo no século XX. “E o socialismo fracassou por duas razões fundamentais: não aprofundou a democracia e a possibilidade de participação popular, e deu continuidade a um modelo de desenvolvimento tão devastador quanto o capitalismo”, acredita o venezuelano Lander. Em relação aos partidos políticos e aos governos progressistas, a avaliação dos ativistas também é de extraordinárias debilidades.
“Do ponto de vista do padrão produtivo, do conceito de desenvolvimento e de progresso, os governos tidos como progressistas da América Latina, que chegaram ao poder com um projeto de mudança, que eram uma expressão de resistência a essa forma de desenvolvimento, não alteraram nada, e alguns ainda aprofundaram e acentuaram este padrão civilizatório na mesma direção”, diz ainda Lander.
O pesquisador da Universidade Central da Venezuela lembrou da luta do MST contra a legalização dos transgênicos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que acabaram sendo liberados na gestão Lula. E, na Venezuela, apesar dos avanços no debate sobre a superação do capitalismo, a economia do país é mais dependente do petróleo na gestão Chávez do que era há dez anos.
“Hoje só existe um grande projeto de sociedade de consumo. Então esta decadência do capitalismo é relativa, lenta, sem que surja no horizonte uma alternativa. E o capitalismo não terminará se não houver uma alternativa”, sentencia Emir Sader, do CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais).
Desafios para os movimentos do Fórum Social Mundial
Se a crise de 2008 confirmou que as idéias do FSM estavam corretas, a ausência de concretude nas alternativas já desenvolvidas e a sobrevivência do capitalismo a mais uma avalanche revelam que os desafios dos movimentos populares organizados em torno do Fórum são ainda maiores e sua luta continua extremamente atual.
“Há uma oportunidade que está aberta e da qual não soubemos tirar o devido proveito. As eleições no Chile e o desfecho em Honduras soam como um alerta da disposição a uma contra-ofensiva para que mesmo os governos mais moderados não tenham possibilidade de continuidade dos seus governos. É necessário analisar as mudanças e organizar uma estratégica rapidamente, que passe por uma política de aliança com novas forças sociais de apoio para projetos dessa natureza. Falar de multipolaridade é falar de novos pólos emergentes de poder. Isso não será ainda a democracia, mas criará uma correlação de forças que permitirá um realinhamento de políticas e colocará a luta num outro patamar importante”, acredita Paulo Vizentini.
Para o sociólogo Emir Sader, o processo para a construção da disputa de hegemonia por um mundo multipolar precisa necessariamente discutir as políticas dos governos que foram construídos na mesma onda do Fórum Social Mundial. “O Fórum tem que discutir temas centrais de alternativas. Não podemos nos limitar a debater questões sociais. Quem quiser discutir superação do capitalismo sem discutir o Estado que queremos estará girando em falso. A resistência eterna é o caminho da derrota, e o Fórum tem que se abrir para este processo senão ficará para trás. Tem que se reciclar e aderir a esta dinâmica”, conclui.