Via Campesina pede a Lula apoio para o Haiti

O Presidente Lula esteve em Porto Alegre nesta terça (26) e, na bagagem de volta a Brasília, levou mais do que a calorosa recepção dos participantes do Fórum Social Mundial que encheram o Ginásio Gigantinho para ouvi-lo. A Via Campesina – Brasil, que reúne movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), entregou ao Presidente da República uma carta reivindicando apoio para a reconstrução do Haiti, após o terremoto que assolou o país em 12 de janeiro. No documento, a Via Campesina se dispõe a trabalhar com 50 mil famílias de camponeses haitianos, a partir de um plano construído em conjunto com movimentos do país que, há um ano, trabalham em parceria com a Via.

“A carência é muito grande e 60% da população estão no campo, que não tem uma estrutura mínima. Então eles dependem muito da ajuda solidária dos povos do mundo inteiro”, conta Sidevaldo Miranda, do MST do Espírito Santo, que desde 29 de janeiro do ano passado vive no Haiti como integrante da brigada da Via Campesina no país. Quando o abalo sísmico atingiu o país há duas semanas, Miranda já estava no Brasil, em recesso de final de ano. No próximo domingo (31), ele volta a Porto Príncipe, esperando levar uma resposta positiva do governo brasileiro aos pedidos apresentados.

Para Carlos Roberto de Oliveira, do MPA de Rondônia, que também integra a brigada no Haiti, uma das ações mais urgentes no país é a reestruturação do campo. “Por causa do terremoto, muitas famílias estão voltando para o campo. Há um êxodo urbano, todos os dias são caminhões e caminhões de pessoas. Então essas são questões emergentes. O povo haitiano tem pressa”, disse Oliveira.

O primeiro ponto do plano de solidariedade visa a construção de açudes e reservatórios para garantia do acesso à água, com perfuração de poços artesianos e construção de cisternas. Para isso, foram solicitados dois tratores de esteira, duas retroescavadeiras, 50 mil cisternas – que devem chegar antes do período das chuvas, em abril – e dois quites completos para perfuração dos poços. “Há famílias que caminham até 5 horas para beber água potável. No Haiti, 90% da água é poluída com coliformes fecais. Por isso, estamos propondo a construção de açudes alternativos nas montanhas”, conta Sidevaldo Miranda.

O segundo ponto do plano pretende fortalecer a produção agrícola de alimentos, através do envio de sementes, ferramentas e insumos necessários para a produção. Ao todo, foram pedidos cinco tratores e cerca de 550 toneladas de sementes de feijão, arroz, milho, sorgo, alface e cenoura, entre outras. “Pelo que vimos neste um ano que passamos no Haiti, as famílias conseguem produzir, mas não têm acesso às sementes, que vêm todas dos Estados Unidos e da República Dominicana. Então estamos fazendo uma campanha pra isso. Um povo que não produz alimento é um povo que não consegue se sustentar”, afirmou Miranda.

Por fim, a brigada da Via Campesina quer ajudar na área de construção de moradias seguras no campo, com o envio de 40 pessoas – entre engenheiros, pedreiros e médicos – para o país no final de fevereiro. Em paralelo, se dispôs a treinar 120 jovens haitianos nas escolas agrárias técnicas dos assentamentos brasileiros, em estados como o Espírito Santo e o Paraná.

“Se o Brasil contribui com a ocupação militar do Haiti, o mínimo que pode fazer é ajudar de fato o povo haitiano”, criticou Carlos Roberto de Oliveira. “A Minustah [força de estabilização das Nações Unidas, comandada pelo Brasil no Haiti] teve um papel importante para estabilizar a situação em 2004, mas depois disso ficou no país sem necessidade. 95% da população não quer a ocupação. Um tanque de guerra num campo de futebol é uma forma de opressão. Este ano, em 2010, a missão custará 680 milhões de dólares. Esse dinheiro poderia ir para a reconstrução do país”, afirma.

Apoio da CUT ao movimento sindical
A Central Única dos Trabalhadores também planeja uma ação de solidariedade ao Haiti, direcionada ao movimento sindical haitiano. Serão criadas duas brigadas: uma de agentes de saúde, para ajudar emergencialmente e no aspecto da prevenção, e outra de pedreiros e carpinteiros para a reconstrução. As iniciativas já estão em operação, mas sofrem limitações logísticas, sobretudo em função do controle do acesso ao país.

“Precisaremos do Itamaraty para ter acesso ao país”, explica Quintino Severo, secretário geral da CUT. “O problema é a forma como os Estados Unidos ocupam o Haiti neste momento. É uma forma desumana; chegam como se fosse pra guerra. Não é uma lógica humanitária. Queremos, aqui no FSM, construir uma posição das organizações sobre a questão da autonomia do povo haitiano, especialmente em relação à presença do exército americano no país. Queremos ajudar a reconstruir o Haiti para que seja um país autônomo e não continue dependente”, explica.

Na avaliação do secretário geral da CUT, a capacidade técnica do exército brasileiro, que já está no país, deveria ser voltada para a reconstrução do Haiti. “Não achamos que os problemas do Haiti se resolvem com ocupação militar”, conclui Severo.

Leia abaixo a íntegra da carta da Via Campesina ao Presidente Lula

Porto Alegre, 26 de Janeiro de 2010
Ao Presidente da República Federativa do Brasil
Exmo. Luiz Inácio Lula da Silva

Sensibilizada com a enorme pobreza que afeta o povo haitiano, a Via Campesina Brasil enviou uma brigada de solidariedade àquele país em janeiro de 2009, com o objetivo de ajudar a resolver os problemas de miséria, fome, analfabetismo, destruição ambiental e escassez de água. Nesse período, identificamos as principais necessidades do meio rural e construímos uma relação fraterna e solidária com o povo haitiano.

Em 12 de janeiro de 2010, como é do seu conhecimento, Sr. Presidente, o mais pobre país das Américas sofreu uma das maiores catástrofes da história. Um terremoto que destruiu a capital haitiana e ceifou milhares de vidas, criando condições que agravam e perpetuam a pobreza. Nesse sentido, a Via Campesina viu-se na responsabilidade de fortalecer a sua solidariedade.

A dimensão gigantesca da destruição nos exige somar esforços e potencializar a ajuda humanitária. Mas queremos ir além da urgente e indispensável ajuda de caráter emergencial. Queremos, como Via Campesina Brasil, contribuir com uma política que ajude a tirar o povo haitiano dessa condição histórica de pobreza.

Tendo em vista que, para aspectos de emergência, os Estado-Nações já estão realizando seus apoios, a Via Campesina se dispõe a trabalhar com 50 mil famílias de camponeses, priorizando nossa atuação no meio rural e nas questões estruturantes. Assim, juntamente com os movimentos camponeses do Haiti, foi construída uma proposta concreta de solidariedade ao povo haitiano, que demanda ajuda do governo brasileiro.

Plano de solidariedade ao povo haitiano:

1 – Estrutura para abastecimento de água para consumo humano, agricultura e pecuária
Visa a construção de açudes e reservatórios, perfuração de poços artesianos e cisternas de polietileno. Necessidades:
1.1 – Dois tratores de esteira, duas retroescavadeiras e dois caminhões (para transporte de máquinas)
1.2 – 50 mil cisternas de polietileno (precisam chegar antes de abril, que é o período chuvoso)
1.3 – Dois equipamentos completos para perfurar poços artesianos.

2 – Fortalecer a produção agrícola de alimentos
Visa enviar sementes, ferramentas e os insumos necessários para a produção dos principais alimentos da população.
Necessidades:
2.1 – Sementes de hortaliças agroecológicas (pimentão, repolho, cebola, alface, cenoura, beterraba, outras), feijão (70 dias), feijão guandu, arroz de sequeiro, sorgo, milho.
2.2 – Ferramentas (enxada, facão, picão, pá, foice, plantadeira manual, etc).
2.3 – Cinco tratores agrícolas 75 HP.
2.4 – Alimentos de necessidade imediata: feijão, arroz, leite em pó, quirera de milho (canjiquinha), etc. Articular apoio por meio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
2.5 – 50 mil fogareiros: no Haiti, a base energética para cozinhar é o carvão vegetal. Com o deslocamento de grande parte da população para o campo, um dos primeiros problemas de escassez será a lenha, pois o país já tem 97% de desmatamento.

3 – Recursos Humanos emergenciais:
Visa garantir a ida de uma brigada de 50 membros da Via Campesina Brasil para atuar emergencialmente no período de seis meses a um ano. Os trabalhos dessa equipe se darão nas áreas de construção de moradias, agricultura, construção de açudes, poços e cisternas.
Necessidades:
3.1 – Garantir deslocamento das 50 pessoas, com a perspectiva de ida no início de março.
3.2 – Garantir a vinda de 120 jovens haitianos para o Brasil, com o objetivo de trocar experiências e estudar no Brasil para que possam retornar e contribuir com a reconstrução de seu país.
Diante dessas demandas emergenciais, vimos por meio desta carta solicitar do governo brasileiro o compromisso nessa tão importante missão de solidariedade aos pobres e explorados do Haiti.

Atenciosamente,
VIA CAMPESINA – BRASIL
MPA, MST, MAB, MMC, CPT, PJR, FEAB, ABEEF, CIMI E PESCADORES