Em 26 e 27 de janeiro, 500 comunicadores(as) de vários países se reuniram na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará, em Belém, para discutir outras formas possíveis de comunicação que priorizem e deem transparência aos temas realmente caros à sociedade civil planetária. Essas outras formas seguem a lógica da ética e da justiça social, invertendo a lógica mercadológica e hegemônica dos grandes meios comerciais que prejudica populações ao redor do mundo. Foi o segundo grande encontro realizado, desde que o movimento Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) foi lançado, em 2008, no Rio de Janeiro.
O evento foi organizado em duas mesas de discussão (sobre como ampliar o movimento e sobre a crise financeira global e a mídia), um seminário sobre comunicação compartilhada e 16 atividades autogestionadas. Formas de como ampliar o movimento e de como usar a informação como elemento de construção da cidadania, a questão das concessões e da perseguição, pelo governo, às rádios comunitárias, debates sobre a própria definição de midialivrista – termo ainda recente e controverso -, sobre a melhor linguagem, ou mais adequada, para aprofundar o impacto dessas produções, sobre a obrigatoriedade ou não do diploma de jornalismo e sobre formas de sustentabilidade desses meios foram alguns dos destaques nas discussões. Além do fortalecimento da mobilização pela realização, por parte do governo federal, da I Conferência Nacional de Comunicação, prevista para este ano.
Uma boa notícia, divulgada durante o evento por Renato Rovái – editor da revista Fórum e um dos idealizadores desse movimento, é a possibilidade de o governo federal criar 80 pontos de mídia livre no Brasil, a exemplo do que já vem ocorrendo com os pontos de cultura, que contam com financiamento para se manter. O edital deve ser lançado em breve pelo Ministério da Cultura e a nova proposta será debatida mais profudamente pelos(as) comunicadores(as) durante este FSM.
Na sua visão, há diferenças conceituais entre a imprensa alternativa, que nasceu com o período da ditadura e como uma forma de se sobreviver aos tempos de censura, e a mídia livre – “A mídia livre tem inspiração na alternativa, mas tem outras demandas, é um movimento mais amplo. A mídia livre está do lado oposto do copyright, para ser midialivrista é preciso entender a comunicação como direito humano. Trata-se de um movimento essencialmente político, que coloca em xeque a lógica do sistema capitalista”, esclareceu.
Para a professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECA-UFRJ), Ivana Bentes, estamos vivendo um contexto privilegiado de oportunidade de mudança do modelo de comunicação e precisamos aproveitar para desconstruir elementos já cristalizados e que pouco vêm à tona nas discussões entre comunicadores(as). Seria o caso da própria hegemonia da linguagem jornalística, “que coloniza o nosso imaginário” e da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão.
“Não dá mais para vincularmos a formação do jornalista apenas à forma de escrever. O movimento midialivrista precisa ir além da comunidade jornalística e, nesse sentido, a exigência do diploma pelo sindicato acaba atrapalhando essa ampliação. O jornalista tem que ser um facilitador da notícia, não um embarreirador, como muitas vezes ocorre”, defendeu Ivana. A professora acredita que o reconhecimento desse movimento, por parte da sociedade e do governo, será decisivo para a real democratização da informação no Brasil.
Sandra Russo, do diário argentino Página Doze, também defendeu a necessidade de se transformar a linguagem utilizada hoje pela mídia. “Precisamos de uma linguagem mais progressista e menos panfletária. Nosso grande inimigo é o lugar comum, a frase feita que vem à mente de imediato e que não é nossa. Temos que recuperar a linguagem que transmite os nossos próprios pensamentos”, enfatizou.
Para a integrante do Grupo de Trabalho de Comunicação do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, Rita Freire, o espaço do FSM ampliou as possibilidades de se fazer uma comunicação que não seja regida pelo mercado, que fuja à ditadura dos meios comerciais. “Substituir a regra da competição do mercado pela regra do compartilhamento é uma iniciativa profundamente ligada às lutas pela transformação social”, disse.
Rita é responsável pela Ciranda Internacional de Informação Independente que, desde a primeira edição do FSM, em 2001, vem possibilitando o intercâmbio de materiais produzidos por todas as organizações participantes, bem como a produção compartilhada de informações, ampliando as possibilidades de divulgação e impacto desses materiais.
“Mesmo que o conceito de midialivrista ainda esteja em construção, é fundamental que, cada vez mais, as pessoas que produzem comunicação possam se encontrar para que a ampliação de vozes se dê de maneira mais efetiva. É fundamental também pensarmos no papel do Estado. Os recursos públicos não podem mais ser usados para reproduzir o modelo de comunicação vigente, excludente e exploratório”, finalizou o jornalista Jonas Valente, representante do Coletivo Intervozes.