Estratégias contra a homofobia mobilizam LGBT

A primeira manifestação homofóbica que a maioria dos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), presentes ao Fórum Social Mundial, em Belém, lembra, quando questionada, são as frequentes piadas e brincadeiras sobre “bichas e boiolas”. O tema provocou polêmica na mesa “Diga não à discriminação! Homofobia Mata!”, que lotou a pequena sala da UFPA, na tarde de quinta-feira (29).

Algumas das cerca de 70 pessoas que lotaram a oficina proposta pelo Grupo Identidade, de Campinas (SP), chegam a acreditar que essas brincadeiras são inofensivas, porque são feitas por pessoas esclarecidas e “amigas de gays”. Conforme os relatos se avolumavam, no entanto, a sensação de baixa estima, desprezo, rejeição e desqualificação são experiências comuns. Foram relatos suficientemente convincentes para incluir as piadinhas entre práticas cotidianas e cruéis contra homens efeminados e mulheres masculinizadas, desde sua infância.

Para muitos, são práticas cotidianas e toleradas como essas, que naturalizam o ódio e o desprezo a LGBT. As práticas são tão disseminadas que frequentemente partem dos próprios LGBT, numa luta contra o que o movimento chama de “homofobia internalizada”. O hábito de desqualificar as pessoas efeminadas, por exemplo, valorizando o homossexual de aparência masculina, é algo muito presente no universo gay, assim como as diferenciações de classe. Assim como existe uma heteronormatividade, que valoriza casais estáveis, monogâmicos e reprodutores, é preciso combater isso que se pode distinguir como uma certa homonormatividade.

Alianças

Entre as estratégias discutidas para o combate a práticas homofóbicas, está a necessidade de esclarecer seus significados. Foi apresentada uma experiência da Prefeitura de Fortaleza, em que muitos munícipes ligavam em dúvida sobre o significado da palavra homofobia, mencionada num programa implementado na capital cearense. Alguns desavisados acreditavam que a Prefeitura estivesse defendendo a “limpeza” da cidade contra a população LGBT.

Esse tipo de política pública criada em Fortaleza foi considerada importante como estratégia de pressão do movimento junto aos governos locais. Outras medidas sugeridas enfocaram a necessidade de alianças com outros movimentos sociais e entidades como os Conselhos de Psicologia e de Serviço Social, que já vêm sendo produtivas em várias localidades. Vários educadores e pedagogos presentes apontaram a importância de projetos educacionais, inserção do debate sobre a homofobia nos currículos e a formação continuada de professores.

Reverberação

A pouca presença de militantes nacionais reconhecidos e a surpreendente lotação das mesas de debate com pessoas novas e desligadas da organicidade do movimento foi destacada pelos proponentes das mesas. A psicóloga Cristiane Marçal, 27, do grupo Identidade, ressaltou a necessidade do debate reverberar em ações concretas no cotidiano dos participantes.

O advogado Paulo Mariante, 45, que coordenou o debate, comemorou a forte presença de militantes de outras áreas, como da educação. “Isso enriquece muito o debate ao trazer outros pontos de vista sobre a homofobia, fora do universo da militância LGBT”, afirmou.

A pedagoga social Claudia Keysers, 37, de Berlim (Alemanha), afirmou estar curiosa sobre a realidade de LGBT no Brasil, já que deve passar uma longa temporada no país. Ela concorda que, muito da origem da homofobia, vem da igreja, realidade conhecida, também, em seu país. O estudante Renan Silva, 24, de Belém, compareceu com o objetivo de “entender plenamente os motivos da brutalidade que muitos LGBT enfrentam”.

O debate contou com a presença do professor de filosofia, o transexual argentino Mauro Cabral, que considera um ato de enfrentamento estar presente nessas atividades, já que a invisibilidade dos “corpos transexuais” é flagrante na maioria dos eventos, mesmo com a dimensão do Fórum Social Mundial.

“O próprio silêncio sobre a existência de transexuais é uma forma de homofobia, que revela privilégios corporais, em que os melhores corpos são aqueles que têm pênis”, analisou Mauro. Ele estranha o fato da Associação da Parada de São Paulo ser a única grande entidade do mundo a ter um transexual masculino como presidente e poucos saberem desse fato inédito e exitoso para o movimento e para transexuais de todo o mundo.

“É preciso romper com esses privilégios do corpo, principalmente dentre o movimento e a comunidade LGBT, afinal, o corpo gay está ficando cada vez mais impossível”, afirmou, referindo-se ao culto à beleza clássica que predomina no universo gay.

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