Crises econômica e ambiental dominarão debates no FSM

Foto de Eduardo Seidl

Choveu. Choveu muito no início da marcha de abertura do FSM 2009, na tarde desta terça (27). Depois, saiu um sol forte. Tudo o que se ouvia na ala final da caminhada, que partiu do Cais do Porto em direção à Praça do Operário, no Bairro de São Braz, era: “menos carro e mais bicicleta”. O grito foi puxado pelos ciclistas que ali estavam e levantaram suas bic icletas. Também teve muito paraense dizendo: “Belém é assim mesmo, chove todo dia”. Mas a mensagem ficou clara para as mais de 60 mil pessoas que se dispuseram a molhar o corpo para fazer uma bela abertura do Fórum: estamos maltratando nosso planeta e a natureza está dando sua resposta.

Segundo o Greenpeace, a temperatura média da Terra subiu 1,4° C nas últimas décadas. Se ultrapassarmos uma elevação de 2°C, o aquecimento global por ser irreversível. Geleiras vão derreter mais depressa, liberar o metano que têm preso e a temperatura subirá mais rápido. Entraremos em um ciclo de desaparecimento de espécies, cujas conseqüências para o ecossistema são inimagináveis.

”Há muito tempo alertamos para isso, mas parece que agora que o mundo percebeu a urgência da questão”, diz Rebeca Lerer, coordenadora da campanha que o Greenpeace lança neste Fórum para salvar o planeta, intitulada “É agora ou agora”, que defenderá o desmatamento zero da Amazônia. A organização trouxe para a marcha de abertura uma grande vaca inflável, para denunciar o papel predatório da pecuária na devastação da floresta. “O Brasil é o quarto país em emissões de efeito estufa, e 75% dessas emissões são provenientes do desmatamento. Então temos uma contribuição muito grande a dar neste debate”, acredita.

Em uma conjuntura de crise econômica global, Rebeca é enfática ao afirmar que o mundo demorou para ver que essas questões estão todas ligadas. Trata-se, portanto, de um debate sobre o sistema capitalista e o modelo de desenvolvimento em vigor no mundo, cujas conseqüências mais visíveis no momento são a crise econômica e a crise ambiental. Na avaliação de movimentos sociais, ONGs e de membros do próprio Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, este será o principal tema de discussão nesta edição do FSM.

”Estamos na Amazônia, ponto focal de uma das maiores crises que o mundo já conheceu. O Fórum será um espaço para o mundo ver de perto o que está acontecendo aqui e que alternativas estão sendo propostas. Virá com mais força o alerta global de como a ganância do sistema destrói a Terra”, acredita Francisco Whitaker, do Conselho Internacional.

Para Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, a crise do modelo econômico a ser debatida no Fórum também deve ser discutida no marco da crise energética e ambiental, incluindo obrigatoriamente uma reflexão sobre o modelo de produção e de consumo adotados globalmente, que se tornaram insustentáveis. Para as feministas, há uma conexão clara entre o modelo capitalista, as desigualdades sociais e a destruição do planeta. “Esta é uma pauta que precisa ser de todos e todas, porque é um campo em disputa. O pensamento hegemônico, que está na cabeça das pessoas, veiculado pelos meios de comunicação, aponta para uma resposta individual para salvar o planeta, quando o que precisa ser debatido é o modelo”, avalia.

Os indígenas, presentes em grande número na marcha desta terça-feira, concordam. “É o avanço das multinacionais que chega atropelando nossos territórios, saqueando nossa água, nossos bosques, a riqueza natural. Antes havia uma economia que não havia fome, que não matava crianças. Hoje os indígenas são os mais pobres dos mais pobres. O modelo está em crise mas não está morto. Por isso, precisamos fazer este debate no FSM”, acredita Jorge Ñancucheo, da CAOI – Coordinadora Andina de Organizações Indígenas, que veio para Belém com 200 indígenas de diferentes povos da Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Equador e Colômbia. As organizações indígenas estão preparando para o dia 12 de outubro – data da chegada dos europeus ao continente – uma grande mancha mundial em defesa da mãe terra.

De fato, a luta por um novo modelo, já pautada no ano passado pela divulgação dos números do aquecimento global, ganhou relevância no seio da programação do Fórum com o aprofundamento da crise econômica. Qualquer alternativa à crise precisa levar em consideração a questão ambiental e a sustentabilidade.

“Cada Fórum tem a sua especificidade, mas a crise obrigou o Fórum a entender a questão amazônica dentro deste contexto e reforçou a necessidade de alternativas ao desenvolvimento. E essa alternativa não pode ser salvar o capitalismo, que é o que Davos quer fazer”, disse durante a marcha Moacir Gadotti, do Instituto Paulo Freire. “O Fórum será mais uma vez inspirador. Estamos criando um movimento social global que só tende a crescer. Davos não sabe onde esconder a sua cara e nós estamos em festa aqui em Belém”, completou Candido Grzybowski, diretor geral do Ibase e membro do Conselho Internacional do FSM.

Com muita chuva e muito sol, a marcha de abertura do FSM 2009 foi mesmo uma festa. Começou com um encontro entre negros e indígenas, numa passagem simbólica da última edição ocorrida no Quênia, na África, em 2007, para esta na Amazônia. E terminou, num grande palco montado em São Braz, com dezenas de manifestações dos povos originários da região. Tudo regado a samba e muito batuque. Mais uma vez, a diversidade será a cara do Fórum, que tem desta vez a tarefa de trazer à tona o que o mundo pode fazer para se salvar. Antes que seja tarde.

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