Novas propostas representam marcos fundamentais para o enfrentamento da crise, não só para proteger os bancos, mas os empregos, os trabalhadores e as condições de vida.
Ildo Sauer (doutor em engenharia nuclear pela Massachussetts Institute of Techonology e professor titular da Universidade de São Paulo) falava na Conferência organizada pela CUT, na Tenda do Mundo do Trabalho, no dia 29 de janeiro no FSM 2009, discutindo os prós e contras dos modelos e propostas de geração de energia.
A energia solar, disse ele, tende a ser a grande matriz energética do futuro. O desenvolvimento da tecnologia necessária à sua captação e aplicação já está em andamento.
Mas, enquanto isso, o conflito que contrapõe a produção dos agrocombustíveis à produção de alimentos não é necessário. Existem hoje projetos bem sucedidos, alguns dos quais patrocinados pela Petrobrás, com formas de compatibilizar a produção dos dois, no mesmo espaço.
Paralelamente, o pré-sal pode vir a se (e a nos) transformar na maior matriz energética, constituindo-se também na chance que se nos apresenta de equilibrar a nossa distribuição de renda, de escolaridade, de saúde e de acesso à vida digna para todos.
Renato Maluf, professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, enfatiza a necessidade de “não se fazer mais do mesmo”, utilizando mecanismos, padrões e valores já correntes no modelo vigente. A crises sistêmicas, há que se dar respostas sistêmicas, diz ele.
Com relação à questão alimentar, Renato Maluf referiu-se a propostas no sentido de ampliar a articulação pública na soberania alimentar e energética, mas com democracia.
E, já que estamos vivendo, com esta crise, um contexto crítico e complexo e com vários fatores entrelaçados, a solução tem também que ser tão multifacetada e entrelaçada, disse Maluf.
Assim, diante de uma crise ambiental, alimentar, energética e social, temos que pensar em todos estes aspectos de forma entrelaçada.
E estendeu-se pela questão da soberaniza alimentar, começando pela alta forte nos preços internacionais dos alimentos (que, no Brasil, também sofreu aumentos, embora bem menores do que fora), houve quem identificasse uma oportunidade de produção de mais alimentos para exportação, vendo aí grandes chances de aumentar a lucratividade do setor. Mas esta velha solução não é, de fato, solução. O próprio sistema alimentar é que estaria em questão, diz ele, apontando para a necessidade de questionamento do próprio modelo.
Em sua etapa agrícola, não faz mais sentido a cultura patronal, haja visto os danos decorrentes da monocultura em grandes extensões, da intensa mecanização e uso forte de agroquímicos, que a caracterizam. E o papel importante atribuído à Organização do Comércio Internacional; mas a OMC não é fonte confiável de segurança alimentar. A concentração também se dá entre as empresas produtoras de grãos, entre as distribuidoras, entre poucas comercializadoras da produção de alimentos.
No processo dos últimos tempos, o chamado “ajuste estrutural” recente também passou pelo desmonte dos Estados e de sua capacidade de intervenção, o que também ocorreu no Brasil, mas onde ainda é possível remontar muita coisa com rapidez.
É preciso promover uma distribuição entre o sistema de produção e consumo. E considerar também que os alimentos que ficam circulando se distanciam no tempo tendo, portanto, que durar mais até chegar ao ponto de venda. O resultado disso é um aumento no gasto de energia e na necessidade de padronização. Como consequência da padronização, mais de 80% do nosso consumo alimentar, hoje, decorre de apenas 4 produtos básicos: soja, milho, trigo, arroz!
Os dois grandes produtores de alimentos na América Latina são Brasil e Argentina. Mas a resposta à crise não é fazer mais do mesmo.
Há três correlações a se considerar:
a crise alimentar e a crise econômica – se a segunda resultar em desemprego e recessão, certamente se refletirá na menor condição de aquisição de alimentos e mercadoria.
O crédito, que também impacta na equação geral.
Os recursos orçamentários – que o presidente Lula garante que não serão afetados, particularmente no que diz respeito aos projetos sociais.
No caso da crise ambiental, as mudanças climáticas estão em andamento e repercutem na produção agrícola. O papel deste modelo da monocultura e agroquímicos que impactam e são responsáveis pela crise ambiental.
Estamos construindo o enfoque do programa de segurança alimentar, no Brasil. Com dois grandes pilares, que são:
soberania alimentar (dentro de cada país se decide tudo que se quer decidir sobre alimentação)
direito humano à alimentação – direito inquestionável – não existe nenhuma razão que se sobreponha a isso.
O CONSEA (no qual o professor é representante da sociedade civil) tem trabalhado tendo em conta estes dois pilares, e apontando para:
Desenvolver uma atuação governamental intersetorial (há atualmente 19 ministérios envolvidos) – já que não se pode falar em alimentação sem suas interaces com agricultura mais também com educação, cultura, saúde, meio-ambiente etc.
Participação social, prevendo um sistema de políticas públicas com conferências, câmara e representantes nos Estados e municípios.
E com a visão de que não se pode discutir soberania alimentar, sem também discutir a questão energética.
Laís Abramo, diretora do Escritório de Organização Internacional do Trabalho no Brasil, discorreu sobre os conceitos relativamente novos de trabalho decente e empregos verdes. Estes novos conceitos têm sido esposados pela OIT que tem se colocado metas e prazos, tendência na qual também se inclui o Brasil.
Emprego decente seria aquele que provê boa remuneração e condições de trabalho, espaço e respeito à organização dos trabalhadores, e o fim das discriminações – não só de gênero, como de raça, etnia e diversidade, que Laís acredita firmemente serem essas, discriminações estruturantes, responsáveis pela pobreza e miséria que se encontra mesmo entre a força de trabalho empregada.
Antes mesmo dessa crise, havia quase 200 milhões de desempregados, metade dos que trabalham são pobres e 20%, extremamente pobres.
Boaventura Souza Santos apontou que precisamos rever o status do Estado e democratizá-lo, fazendo referendos de todas as questões mais relevantes. Citando a Bolívia como exemplo (que teria votado recentemente pelas dimensões mais limitadas do direito à propriedade da terra).
Finalmente, deixou uma sugestão para reflexão no que se refere ao controle do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) trazido à tona no debate, onde se apontou a sua importância na solução da crise, mas a utilização dos recursos dos trabalhadores principalmente para o financiamento da atividade das grandes empresas e empresários. Para Boaventura, deveríamos criar um Conselho Nacional de Investimentos Públicos (a exemplo do de Saúde, Educação e outros), com vinculação com os cidadãos, movimentos e segmentos diversos.
Márcio Pochmann finalmente apontou a perspectiva também de uma reorganização geo-política mundial, com uma redefinição dos Estados Unidos.
E, a exemplo de alguns países como a China, Índia e Rússia, que fazem o seu planejamento olhando para o espaço regional, apontou a necessidade de nos estruturarmos de forma supra-nacional, com foco no apoio e solidariedade em termos da América Latina, de modo a minimizarmos os impactos da crise em países com projetos políticos interessantes, que seriam dependentes de uma só fonte de riqueza. Assim, reforcemos iniciativas como a Onasur, o Bancosur e outras organizações que tenham filosofia próxima.
E, em nível local, lembremos do que significa o BNDES, que deve respeito ao Fundo Público e que deve intervir sempre na direção da construção da nova sociedade que queremos.