Por Norman Finkelstein*
Os registros existem e são muito claros. Qualquer pessoa encontra na internet, na página do governo de Israel e, também, na página do ministério de Negócios Exteriores de Israel. Israel desrespeitou o cessar-fogo, invadiu Gaza e matou seis ou sete (há controvérsia quanto ao número de assassinados, não quanto ao crime de assassinato) militantes palestinenses, dia 4/11. Depois, o Hamás respondeu ou, como se lê nas páginas do governo de Israel “o Hamás retaliou contra Israel e lançou mísseis.”
Quanto aos motivos, os documentos oficiais também são claros. O jornal Haaretz já informou que Barak, ministro da Defesa de Israel, começou a planejar o massacre de Gaza muito antes, até, de haver acordo de cessar-fogo. De fato, conforme o Haaretz de ontem, a chacina de Gaza começou a ser planejada em março.
Quanto às principais razões do massacre, acho, há duas. Número um: restaurar o que Israel chama de “capacidade de contenção do exército” e que, em linguagem de leigo, significa a capacidade de Israel para semear pânico e morte em toda a região e submetê-la mediante a pressão das armas, da chantagem, do medo. Depois de ter sido derrotado no Líbano em julho de 2006, o exército de Israel entendeu que seria importante comunicar ao mundo que Israel ainda é capaz de assassinar, matar, mutilar e aterrorizar quem se atreva a desafiar seu poder pressuposto absoluto, acima de qualquer lei.
A segunda razão pela qual Israel atacou Gaza é culpa do Hamás: o Hamás começou a dar sinais muito claros de que deseja construir um novo acordo diplomático a respeito das fronteiras demarcadas desde junho de 1967 e jamais respeitadas por Israel.
Em outras palavras, o Hamás sinalizou que está interessado em fazer respeitar exatamente os mesmos termos e conceitos que toda a comunidade internacional respeita e que, em vez de resolver os problemas a canhão e com campanhas de mentiras por jornais e televisão, estaria interessado em construir um acordo diplomático.
Aconteceu aí o que Israel poderia designar como “uma ameaçadora ofensiva de paz chefiada pelos palestinenses”. Imediatamente, para destroçar a ofensiva de paz, o governo e o exército de Israel desencadearam campanha furiosa para destroçar o Hamás.
A revista Vanity Fair publicou, em abril de 2008, em artigo assinado por David Rose, baseado, por sua vez em documentos internos dos EUA, que os EUA estavam em contato estreito com a Autoridade Palestinense e o governo de Israel, organizando um golpe para derrubar o governo eleito do Hamás, e que o Hamás conseguira abortar o golpe. Isso não é objeto de discussão: esse fato é estabelecido, documentado e há provas.
A questão passou a ser, então, impedir o Hamás de governar, e ninguém governa sob bloqueio absoluto, bloqueio que desmantelou toda a atividade econômica em Gaza. Ah! Vale lembrar: o bloqueio começou antes de o Hamás chegar ao poder (eleito!). O bloqueio nada tem ou jamais teve a ver com o Hamás. Quanto ao bloqueio, os EUA despacharam gente para lá, James Wolfensohn especificamente, para tentar pôr fim ao bloqueio, depois de Israel ter invadido Gaza.
O xis da questão é que Israel não quer que Gaza progrida, sequer quer que viva, e Israel não quer ver nenhum conflito encaminhado por vias diplomáticas, que tanto os líderes do Hamás em Damasco, quanto os líderes do Hamás em Gaza têm repetidas vezes declarado que buscam, sempre com vistas a resolver o conflito relacionado às fronteiras demarcadas em 1967, fronteiras que Israel jamais respeitou. Tudo, até aí, são fatos registrados e comprovados. Não há qualquer ambigüidade: tudo é bem claro.
Todos os anos, a Assembléia da ONU vota uma resolução intitulada “Solução pacífica para a questão da Palestina”. E todos os anos o resultado é o mesmo: o mundo inteiro de um lado; Israel, EUA, alguns atóis dos mares do sul e a Austrália, no lado oposto. Ano passado, o resultado da votação foi 164 a 7. Todos os anos, desde 1989 (em 1989, o resultado foi 151 a 3), é sempre a mesma coisa: o mundo a favor de uma solução pacífica para a questão da Palestina; e EUA, Israel e a ilha-Estado de Dominica, contra.
A Liga Árabe, todos os 22 Estados-membros da Liga Árabe, são favoráveis a uma chamada “Solução dos Dois Estados”, com as fronteiras determinadas em junho de 1967. A Autoridade Palestinense é favorável à mesma “Solução dos Dois Estados” e às mesmas fronteiras determinadas em junho de 1967. E o Hamás também é favorável à mesma “Solução dos Dois Estados” e às mesmas fronteiras demarcadas em junho de 1967. O problema é Israel, patrocinado pelos EUA. Esse é o problema.
Bem… Há provas de que o Hamás desejava manter o cessar-fogo; exigiu, como única condição, que Israel levantasse o bloqueio de Gaza. Muito antes de começarem os rojões do Hamás, os palestinenses já enfrentavam terrível crise humanitária, por causa do bloqueio. A ex-Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU, Mary Robinson, descreveu o cenário que testemunhou em Gaza como “destruição de uma civilização”. Isso, durante o cessar-fogo.
O que se vê nos fatos? Os fatos mostram que nos últimos mais de vinte e tantos anos, toda a comunidade internacional procura um modo de resolver o conflito das fronteiras de 1967, com solução justa para a questão dos refugiados. Será que 164 Estados-membros da ONU estão sempre errados, e certos e pacificistas seriam só EUA, Israel, Nauru, Palau, Micronésia, as ilhas Marshall e a Austrália? Quem é pacifista? Quem trabalha contra a paz?
Há registros e documentos que comprovam que, em todas as questões cruciais discutidas em Camp David; depois, nos parâmetros de Clinton; depois, em Taba, em cada ponto discutido, os palestinenses sempre fizeram concessões. Israel jamais concedeu qualquer coisa. Nada. Os palestinenses repetidas vezes manifestaram decisão de superar a questão das fronteiras de 1967 em estrito respeito à lei internacional.
A lei também é claríssima. Em julho de 2004, a Corte Internacional de Justiça, órgão máximo da ONU para questões de direito internacional, declarou que Israel não tem direito de ocupar nem um metro quadrado da Cisjordânia nem um metro quadrado de Gaza. Israel tampouco tem qualquer direito sobre Jerusalém. O setor Leste de Jerusalém, os bairros árabes, nos termos da decisão da mais alta corte de justiça do planeta, são território da Palestina ocupado ilegalmente por Israel. Também nos termos de decisão da mais alta corte de justiça do planeta, nos termos da lei internacional, todas as colônias de judeus que há na Cisjordânia são ilegais.
O ponto mais importante de tudo isso é que, em todas as ocasiões em que se discutiram essas questões, os palestinenses sempre aceitaram fazer concessões. Fizeram todas as concessões. Israel jamais fez qualquer concessão.
O que tem de acontecer é bem claro. Número um, EUA e Israel têm de se aproximar do consenso da comunidade internacional e têm de respeitar a lei internacional. Não me parece que trivializar a lei internacional seja pequeno crime ou pequeno problema. Se Israel contraria o que dispõe a lei internacional, Israel tem de ser acusada, processada e julgada em tribunais competentes, como qualquer outro Estado, no mundo.
O presidente Obama tem de considerar o que pensa o povo dos EUA. Tem de ser capaz de dizer, com todas as letras, onde está o principal obstáculo para que se chegue a uma solução para a questão da Palestina. O obstáculo não são os palestinenses. O obstáculo é Israel, sempre apoiado pelo governo dos EUA, que, ambos, desrespeitam a lei internacional e contrariam o voto de toda a comunidade internacional.
Hoje, o principal desafio que todos os norte-americanos temos de superar é conseguir ver a verdade, por trás das mentiras.
* Norman Finkelstein é autor de cinco livros, entre os quais Image and Reality of the Israel-Palestine Conflict,
Beyond Chutzpah and The Holocaust Industry, traduzidos para mais de 40 idiomas. Artigo publicado em Counterpunch, 13/1/2009, http://www.counterpunch.org/finkelstein01132009.html, e em www.NormanFinkelstein.com.