Uma maldição arqueológica em Jerusalém

Do outro lado das muralhas da antiga Jerusalém, em direção ao vale conhecido como “Bacia Sagrada”, encontram-se as simples casas de blocos de pedra que compõem Silwan, um bairro árabe da única cidade considerada sagrada para o Islam, Cristianismo e Judaísmo. Acostumados a viver às sombras da história e da religião, a uma distância mínima da Mesquita de Al-Aqsa, terceiro local mais sagrado para o Islam, e do Monte das Oliveiras, onde Jesus Cristo transmitiu alguns de seus ensinamentos, conforme descrição bíblica, é no mínimo irônico conceber que a arqueologia desses locais sagrados se tornou, na realidade, uma maldição para os palestinos dos territórios ocupados.

Desde o início da década de 1990, Silwan passou a ser alvo de colonos judeus extremistas, determinados a ocupar o bairro palestino em nome de um “direito divino”, que lhes garante que a terra sagrada é “exclusivamente judaica”. Nos anos recentes, pelo menos 25 famílias judaicas, somando cerca de 250 pessoas, expulsaram palestinos de seus lares originais, com apoio de militares israelenses, e os tornaram fortificadas moradas em que a bandeira da entidade sionista impera com autoridade. Isso é fato comum em Jerusalém Oriental, mas apenas em Silwan os colonos judeus desafiam a lei e os direitos da nação palestina tão abertamente. As organizações sionistas, com a ajuda de doadores do exterior (muitos deles no Brasil), ambicionam tornar qualquer acordo de paz impossível, garantindo que Jerusalém Oriental nunca se tornará a capital de um imaginável Estado palestino.

Considerado por historiadores judeus como o local exato da fundação da “Cidade de Davi”, o berço da Jerusalém bíblica, Silwan é situado exatamente abaixo dos alicerces da cidade antiga, um local repleto de vestígios da antiguidade e, principalmente, de túneis. A sua descoberta e valorização durante os anos 1980, por meio da criação de um “percurso arqueológico”, atraiu famílias judaicas à área que até então era habitada exclusivamente por palestinos. Quem está à frente dessa campanha de “judaização” do bairro árabe é a associação Elad, um grupo de colonos judeus radicais que recebeu a concessão do terreno do Serviço das Antiguidades Israelenses e que, desde então, tornou-se especialista em utilizar o subsolo de Jerusalém como um instrumento para fins políticos sionistas. Desde o início dos anos 1990, por meio do uso de métodos de assédio jurídico, falsificação de documentos e recrutamento ilegal de colaboradores, a Elad conseguiu apoderar-se de mais de 50 habitações em pleno centro de Silwan.

Inicialmente, fendas começaram a aparecer no meio das ruas de Silwan. Depois, surgiram fissuras nas estruturas das casas da região. Por fim, enormes rachaduras se abriram em residências, comércios e instalações públicas, como escolas e creches. Esses foram os primeiros sinais da Elad. Antes mesmo de os palestinos saberem de que se tratava, os sionistas já escavavam debaixo de seus lares. Mas foi somente em 1998, após um dúbio acordo entre a organização e o governo municipal de Jerusalém, que a Elad foi autorizada a escavar livremente o parque arqueológico, visto que Silwan desapareceu do mapa e se tornou a “Cidade de Davi”. Desde então, placas de sinalização e mapas israelenses não fazem qualquer menção ao bairro árabe e às dezenas de milhares de habitantes palestinos da região.

Ironicamente, o Serviço das Antiguidades Israelenses, que concedeu o terreno de Silwan à Elad, tornou-se vítima da própria organização sionista. “Esse é um local importante, mas a Elad tem uma agenda muito clara”, disse Yonathan Mizrachi, um arqueólogo que fazia parte do Serviço das Antiguidades Israelenses. “Eles querem usar a arqueologia, inclusive falsos trabalhos arqueológicos, para dar cobertura à agenda política de expulsar os palestinos de Silwan. Se a Elad convencer as pessoas de que eles descobriram o lar original do Rei Davi, será fácil para eles justificarem uma remoção dos palestinos”, declarou o arqueólogo israelense. A missão sionista da Elad colocou o Serviço das Antiguidades Israelenses em uma posição complicada, e levou a um descrédito mundial o órgão do governo.

Enquanto o mundo permanece ignorante quanto à realidade na Palestina, confiando cegamente na mídia corporativa ocidental, a Elad tem ampliado os projetos colonialistas em Jerusalém. Em maio desse ano, o governo aprovou um plano da organização para construir um novo complexo residencial, uma sinagoga, uma escola maternal, uma livraria e um estacionamento subterrâneo para mais de 100 veículos, somente para judeus, sobre terras palestinas. Em julho, famílias palestinas que haviam enviado ao governo uma petição contra o plano tiveram seus lares invadidos: homens, mulheres e crianças foram detidos pela polícia, e as residências foram marcadas para demolição. Infelizmente, a arqueologia de Jerusalém se tornou uma maldição para os palestinos. Enquanto isso, Shuka Dorfman, atual diretor do Serviço das Antiguidades Israelenses, mantém a sua posição de que “sou contra trazer política para o campo da arqueologia”. Nada é mais irônico do que o Estado de Israel.

FONTE:
Jornal Oriente Médio Vivo – http://www.orientemediovivo.com
Edição nº119 – http://orientemediovivo.com/pdfs/edicao_119.pdf

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