Instituto discute metodologia freiriana no escuro

22 de janeiro de 2007

Falta de luz se transformou em gancho para que atividade autogestionada contasse um pouco sobre o que o educador defendia

Lina Rosa e Thaís Chita

Aprender em situações adversas, como a falta de luz, foi umas das experiências testemunhadas pelo educador Paulo Freire e vivenciada pelos participantes da mesa Metodologia Freiriana aplicada aos Projetos do Instituto Paulo Freire. O encontro entrou noite adentro do dia 21, quando a luz natural já se fora e a artificial não chegara, em uma das “salas” montadas nas arquibancadas do Centro Internacional de Esportes Kasarani, em Nairobi, para as atividades autogestionadas da 7a edição do Fórum Social Mundial.

Parte das atividades do Fórum Social Mundial que aconteceu entre 20 e 25 de janeiro na capital do Quênia, a discussão propiciou tal semelhança à vida de muitos educandos e muitas educandas do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos que aprendem a ler e a escrever em ambientes pouco iluminados. O Projeto MOVA-Brasil, desenvolvido em parceria entre Instituto Paulo Freire, Petrobras e FUP (Federação Única dos Petroleiros), foi o escolhido pelo Instituto para apresentar a metodologia freiriana às cerca de 80 pessoas de vários cantos do planeta. A mesa foi mediada por Ângela Antunes,diretora pedagógica do IPF e contou com tradução voluntária de alguns participantes.

Wellington dos Santos, um dos coordenadores técnico-pedagógicos do MOVA-Brasil, apresentou a proposta metodológica reafirmando ser uma ação fundamentada nos princípios filosófico-político-pedagógicos de Paulo Freire. “O processo de alfabetização é desenvolvido a partir da Leitura de Mundo do educando, ou seja, da qual são identificadas as situações significativas da realidade em que está inserido. Dessa situação, escolhemos os Temas Geradores que, conseqüentemente, orientam os conteúdos programáticos”, explica. O coordenador enfatizou que o conhecimento construído no ato de ensinar tem como objetivo problematizar a realidade e compreendê-la melhor e de maneira profunda. “A partir dessa compreensão crítica, educandos e educandas são estimulados a planejar suas ações de intervenção social, principalmente local, e a assumir a condição de sujeitos na construção de realidades mais justas e humanas.”

Para Tereza Mara Rodrigues da Cruz, da coordenação da FUP no MOVA, o sucesso do Projeto, que tem como uns dos objetivos envolver 65 mil educandos até julho de 2007, está ligado à capilaridade da articulação das três instituições. “Trata-se de uma parceria inédita no país que une uma empresa e os trabalhadores do sindicato de sua área, além de outra entidade da sociedade civil”. Uma das cenas que mais emocionou Armando Tripodi, do gabinete da Presidência da Petrobras, durante o processo do MOVA, foi a entrega dos diplomas a três mil educandos em Angicos (RN), cenário das primeiras experiências de Paulo Freire com a alfabetização. “Entre essas pessoas, estava uma senhora de 102 anos.”

Paulo Freire e o Continente africano

Segundo Moacir Gadotti, diretor presidente do IPF, Paulo Freire tinha necessidade que visitar países do continente africano porque acreditava que por lá aprenderia com novas dimensões da educação. “Dizia que tivera aprendido muito com o europeus, mas sobretudo com os africanos. Ele se tornou ainda mais humano depois de sua passagem por Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e outros.” Gadotti acrescentou ainda que muitas pessoas, por certo, utilizando a metodologia de Paulo Freire, no nordeste brasileiro ou em outros territórios planetários, onde a energia elétrica não chegara, aprenderam a ler e a escrever à noite, após trabalho, à luz das lamparinas e que, de alguma maneira, naquele momento em Nairobi, estávamos homenageando estas pessoas e o velho mestre.

As três dimensões do diálogo freiriano foram comentadas por Paulo Padilha, diretor de Desenvolvimento Institucional, Pesquisas e Publicações do IPF, que ressaltou o desejo daqueles e daquelas em ter acesso a uma educação de qualidade. “Não queremos qualquer qualidade. É preciso substantivá-la e, para isso, defendemos uma educação desenvolvida em três dimensões fundamentais: sociocultural, sócio ambiental e multimidiática. Isso significa educar para a formação humana, a sensibilidade, a humanização dos povos, o respeito ao meio ambiente, ao planeta, o amor com festa, ciência e arte.”

Para ilustrar uma situação da falta de conhecimento da metodologia de PF, Jacktone Nyonje, professor queniano há 13 anos, disse que só teve contato com ela no final da Faculdade de Pedagogia, por meio do livro Pedagogia do Oprimido e critica ferrenhamente à formação das universidades que exploram muito pouco o legado deixado pelo educador. “Alunos e alunas universitários não sabem ler o mundo que está a sua volta. Além disso, muitos deles estão preocupados com o certificado, com o diploma e não com o aprendizado. Estamos produzindo professores e alunos ‘analfabetos’ em relação a formação humana.”

Além de pontuar que nos EUA Paulo Freire será sempre lembrado como o intelectual brasileiro que percebeu o mundo em transformação, a coordenadora de educação ambiental da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), Raquel Trajber, provocou o público com uma rápida análise das desigualdades estruturais brasileiras antes de falar especificamente de educação e escola.

“O poder público brasileiro tem trabalhado no combate à fome, à pobreza, à miséria mais fortemente no campo econômico. Esse trabalho é fundamental, mas não suficiente em um país que mantém as diferenças estruturais. Precisamos pensar também em ações de combate a uma exclusão endêmica que está também em outras formas de exclusão como a ambiental, por exemplo.”

Para Raquel, a escola tende a reproduzir essas desigualdades e preservar o status quo da exclusão como mostrado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) no livro Desigualdades Raciais no Brasil – um balanço da Intervenção Governamental: em 2001, as taxas de analfabetismo para meninas afro-descendentes entre 10 e 14 anos eram de 4,5%, enquanto para as meninas brancas de 1,3%. “Como enfrentar essa situação que preserva o sinônimo de que ser diferente é ser desigual?. Creio que uma das soluções, inclusive já trabalhadas por algumas instituições, seja mesmo transformar valores como competição e individualismo, que estão na base do sistema capitalismo de nossa sociedade, em colaboração e diálogo, princípios completamente freirianos.”

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