Eram pouco mais de 12 horas e do palanque instalado no Parque Uhuru, no centro de Nairobi, o animador do ato perguntava: another world is… E aproximadamente mil pessoas que já haviam chegado em marcha de diferentes pontos da cidade ou ainda que tinham vindo direto de seus hotéis, respondiam…possible.
É assim que sempre começam os FSMs, uma marcha e uma concentração num importante espaço da cidade onde os participantes cantam, dançam, mostram suas faixas, iluminam suas bandeiras de lutas. E o animador por diversas vezes pergunta: um outro mundo é? E as pessoas respondem: possível.
Onde os mais jovens se emocionam com o que vêem e os veteranos se emocionam ao reencontrar aqueles que conheceram em outros fóruns e que vêm de vários cantos do mundo.
As fotos que aqui estão reproduzidas não precisam de legendas. Elas contam imageticamente suas histórias e são a demonstração viva de que o altermundismo é um novo conceito vivo a motivar milhares de gentes por todos os pontos do planeta. Mas como o FSM é um processo, ele também tem contradições, como sabiamente disse com seu jeito galante o coordenador do Instituto Paulo Freire, professor Moacir Gadotti, um dos membros do Comitê Executivo Internacional do FSM.
Ele respondia dessa forma à questão sobre alguns métodos heterodoxos (ou seriam ortodoxos) bastante questionáveis que estão sendo inaugurados no FSM do Quênia.
Antes, a beleza da festa
Seria não-jornalístico simplesmente ignorar esses procedimentos questionáveis (ou seriam reprováveis) que estão ocorrendo neste FSM, mas ao mesmo tempo seria injusto a inversão da pauta, tratar primeiro deles e jogar no pé do texto a beleza da festa.
Como é bonito ver um FSM com ampla maioria de negros desfilando suas lutas e formas de comunicação.
Como a marcha saiu de diferentes pontos, ela foi chegando aos poucos ao Parque Uhuru. E um dos primeiros grupos a adentrar ao local foi i do movimento GLBTT daqui. A faixa que traziam, dizia: “contra o patriarcalismo e a homofobia”. Estranho uma palavra de ordem como essa, mesmo para quem vive numa sociedade patriarcalista como a brasileira. Nunca em nenhum outro Fórum, e vários ocorreram no Brasil, este tema foi colocado dessa forma.
A questão da Aids era a mais presente na camiseta dos manifestantes locais. O que mostra o quão forte é esse tema no atual momento africano.
Quando o brasileiro Chico Witacker, o tio do FSM, como ele brinca quando se refere a Oded Gragew como pai, falava, uma passeata de um grupo religioso exibindo em suas bandeiras a frase “África Israel Nineve Church”, irrompe em frente batendo tambores e dançando e é aplaudido por todos. Aliás, essa pareceu uma característica diferenciada e marcante do FSM daqui, muitos dos grupos organizados que participaram da marcha foram organizados por diferentes igrejas locais, com especial distinção para as evangélicas/protestantes, algumas inclusive de cunho pentecostal, que costumam ser mais conservadoras.
O toque estranho
Mas o que deste FSM nos soa tão estranho. Comecemos pelo credenciamento. Para realizá-lo, atenção leitor, é preciso ir a um estande na Celtel, algo como a Vivo ou a Tim do Brasil. A Celtel é a patrocinadora oficial do evento. Isso mesmo, oficial. Ontem, segundo depoimento de outros colegas jornalistas que foram ao show de música queniana para arrecadar fundos para o FSM, o apresentador fazia questão de agradecer ao “nosso patrocinador Celtel por possibilitar um outro mundo possível no Quênia”.
Ao chegar ao estande da Celtel, deve-se comprar o valor de sua inscrição em cartões dessa operadora de celular local. O valor desse cartão é que vai emitir um código, por celular, para que se possa pegar em outro local, aí sim relacionado ao FSM, o crachá que vai dar direito a acessar as atividades.
No Brasil, em alguns dos Fóruns, a Petrobrás, por exemplo, foi uma das patrocinadoras. Seria como se por conta disso para se inscrever ao FSM o delegado precisasse ir a um Posto Br com seu carro para receber uma gasolina que lhe permitiria participar do evento.
Mas não é esse a única contradição desta edição. Os voluntários do FSM Quênia são pagos. Isso mesmo, foram contratados como voluntários.
E por fim, muitos dos ativistas quenianos com quem conversamos não vão participar do evento porque não têm como pagar a taxa de inscrição de 400 schillings (7 dólares). O leitor que leu o texto anterior deve saber que se parece pouco isso é o que faz com que muitas mulheres que têm o vírus HIV no Quênia consigam abrir um pequeno negócio para garantir sua sustentabilidade.
E um FSM sem o povo da terra, sem a beleza das histórias da experiência de luta da gente mais simples, pode acabar um pouco como a festa de abertura de hoje, sem a mesma força de edições anteriores.
Mas um Fórum nunca se conta pelo primeiro dia. Ele é um processo vivo. Com suas contradições e beleza. Quem garante que essa história não possa vir a ser contada de outro jeito amanhã?