Na próxima semana, toma posse o novo presidente angolano, João Lourenço, com a presença de chefes de governo internacionais, inclusive do brasileiro Michel Temer. As eleições gerais angolanas aconteceram no dia 23 de agosto e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) foi mais uma vez o partido vencedor. Estas foram as quartas eleições desde que o país conquistou a independência em 1975. A grande diferença relativamente às anteriores é que desta vez o presidente angolano José Eduardo dos Santos, no poder há 38 anos desde 1979, não saiu como candidato. João Lourenço, o escolhido para ser seu substituto, foi eleito Presidente da República da Angola com 61% dos votos de acordo com os dados divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Com este resultado, que corresponde a um total de 150 deputados para o MPLA, o partido consegue também manter a maioria qualificada para governar o país.
Logo após o anuncio dos resultados, a oposição, liderada pela segunda colocada UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), começou a contestar a lisura das eleições, denunciando o controle do MPLA sobre a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e a posição tendenciosa da mídia, uma vez que grande parte dos jornais, rádios e televisões são controlados pelo partido no poder. Sendo assim, para alguns angolanos, a oposição entrou nestas eleições tentando participar de um jogo democrático partidário já que os grandes órgãos de comunicação social estão dominados pelo MPLA que usa o aparelho do Estado para fazer campanha. Além disso, a maneira como os resultados foram divulgados causa perplexidade já que as comissões eleitorais dos partidos da oposição alegam que não receberam nenhuma ata eleitoral e a contabilidade provincial não foi feita como inicialmente previsto. Estes acontecimentos corroboram a visão dos angolanos que defendiam um boicote às eleições gerais frente à ausência de garantias democráticas.
As ligações entre a política angolana e a presença da Odebrecht no país são claras, ainda que os escândalos sejam referentes às eleições de 2012. Segundo uma reportagem do Site angolano Club-K.net: “A Orion – Agencia de Publicidade e Produção, empresa na qual o seu candidato às eleições e novo presidente, João Gonçalves Lourenço detém participações recebeu o pagamento de 15 milhões de dólares da multinacional Odebrecht, em Angola”. As revelações foram feitas pela publicitaria brasileira Monica Regina Moura.
O paradoxo do desenvolvimento angolano: entre dois extremos
A capital Luanda é a imagem do paradoxo do modelo de desenvolvimento angolano, impulsionado pela exploração de petróleo. Em um extremo da cidade, beirando o litoral atlântico, a riqueza dos prédios luxuosos que foram em sua maioria construídos pela brasileira Odebrecht e, no outro extremo, a desigualdade a céu aberto: fome, doenças e falta de medicamentos em hospitais. Os contrastes entre a grande concentração de riqueza de uma emergente elite angolana e a profunda pobreza da esmagadora maioria da população são expressões da evolução política das últimas décadas.
O país é o segundo maior exportador de petróleo do continente africano, a terceira economia da África Subsaariana, atrás apenas da Nigéria e da África do Sul, mas é um dos países mais desiguais do mundo. Segundo o último ranking de IDH divulgado pelo PNUD, Angola ficou na posição 150 em um conjunto de 188 países, o que a enquadra na faixa de baixo desenvolvimento humano. Segundo dados da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o petróleo representa 95% das exportações do país e quase metade do PIB (45%). Assim, a economia de Angola é profundamente dependente das receitas do petróleo. A queda abrupta dos preços da commodity nos últimos anos contribuiu para lançar o país em uma profunda crise. Acresce-se a esse fato uma classe empresarial que prefere expatriar a sua riqueza para o exterior: entre 2002 e 2015, as empresas e os poderosos angolanos investiram 160 bilhões de dólares no estrangeiro, segundo dados da Universidade Católica de Angola.
Antes de sair do poder, o ex-presidente José Eduardo dos Santos aprovou uma série de leis que dificultam o seu julgamento por corrupção, além de proteger sua família e assegurar que nos próximos anos nenhum governante possa afastar a sua filha mais velha, a empresária multimilionária Isabel dos Santos, da presidência da Sonangol (companhia petrolífera estatal) e o seu filho, Zenú dos Santos, da direção do Fundo Soberano criado em 2012 com o objetivo ‘para inglês ver’ de promover o desenvolvimento do país através da renda do petróleo. Isso porque ele não teria sido bem sucedido na imposição de seu filho para sucedê-lo no poder, como pareciam ser seus planos.
Odebrecht em Angola e o modelo de financiamento de campanha
João Lourenço, o novo presidente é um dos generais-empresários de Angola. O jornal Le Monde publicou a matéria “Como a brasileira Odebrecht ajudou os generais angolanos a se tornarem líderes empresariais”? na qual conta a história da promoção destes generais a empresários com a ajuda da Odebrecht. A confissão é de Emílio Odebrecht, que revela que lidou pessoalmente com o presidente José Eduardo dos Santos desde 1984. A gigantesca empresa brasileira de construção e obras públicas está no cerne de um escândalo de corrupção com ramificações em uma dúzia de países da África e da América Latina. Políticos, antigos ministros e ex-presidentes são suspeitos de receberem subornos em troca de contratos públicos.
A Odebrecht entrou em Angola em 1975, durante a guerra civil no período pós-independência. Em parceria com empresas e funcionários soviéticos e russos, os brasileiros construíram a usina hidrelétrica de Capanda no rio Kwanza, na província de Malanje (norte). Este enorme projeto, lançado em 1987, foi interrompido e atrasado devido à instabilidade na região durante o período de guerra civil. Finalmente inaugurado em 2004, a hidrelétrica de Capanda fornece eletricidade para Luanda e seis províncias. Em 2011, a Odebrecht estava envolvida em 28 projetos somente em Angola.
Em seu depoimento perante o procurador-geral da República em Brasília no âmbito da Operação Lava Jato, Emilio Odebrecht afirmou que se reunia anualmente com José Eduardo dos Santos para monitorar o andamento dos projetos da construtora no país. O empresário brasileiro também reivindica um papel na assinatura do acordo de paz que encerrou a guerra civil angolana em 1992. De fato, tamanha era a importância da empresa no país que a ONU buscou apoio logístico do grupo Odebrecht para a sua missão de observação em Angola.
Segundo a reportagem do Le Monde, após a guerra civil, José Eduardo dos Santos teria feito um pedido específico ao chefe da Odebrecht: o presidente pediu apoio do executivo para a transformação de ex-generais de guerra em empresários. O objetivo era que, com uma nova ocupação, eles não prejudicassem a recém conquistada estabilidade do governo angolano. Neste acordo, a Odebrecht contribuiu com o seu know-how, enquanto os militares trouxeram o capital necessário, acumulado durante a guerra. Emílio admite ainda que essas associações foram um dos fatores centrais para o tratamento privilegiado do grupo em Angola.
Na África Subsaariana, como na América Latina, o grupo contou com generosos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2009, quando o declínio do preço do petróleo reduziu o orçamento angolano, Emilio Odebrecht solicitou a intervenção do então presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para obter uma extensão do empréstimo no BNDES. Em troca do empréstimo de US$ 1 bilhão destinado à construção de estaleiros angolanos, o ministro do Planejamento do governo Lula, Paulo Bernardo, teria pedido uma comissão de US$ 40 milhões para o Partido dos Trabalhadores (PT). A presidente Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment em 2016, teria colocado, durante o seu governo, os contratos do BNDES com Angola e Cuba sob o selo de sigilo.
A gigante brasileira do ramo da construção exerceu influência comprovada em todas as últimas eleições gerais angolanas. Aqui é particularmente relevante notarmos como a Odebrecht replicou em Angola certos aspectos do modelo de financiamento de campanha colocado em prática no Brasil, inclusive com a intermediação da contratação do marqueteiro João Santana para as eleições de que participou o MPLA. No dia 15 de maio deste ano, em delação premiada da operação Lava Jato, Mônica Moura, esposa do marqueteiro das campanhas presidenciais do PT João Santana, conta sobre como foi o envolvimento do casal, através da articulação do presidente Lula e da Odebrecht, nas eleições gerais angolanas de 2012. A dupla teria cobrado 50 milhões de dólares para fazer a campanha do partido, prontamente aceitos pelo MPLA. Ficou acordado que eles receberiam 30 milhões de dólares através do partido e 20 milhões de dólares através da Odebrecht.
Na sequência, Mônica relata como teria recebido, na prática, o dinheiro: para os 30 milhões do MPLA, ela abriu uma conta bancária no Banco Sol, um banco do próprio partido, em contrato formal com a sua empresa no Brasil, a Polis. Já os outros 20 milhões teriam sido pagos por Ernesto Bayard, executivo da Odebrecht em Angola: 15 milhões via uma produtora do partido, a Órion, e outros 5 milhões em várias parcelas de dinheiro entregues diretamente por Bayard. Com uma naturalidade espantosa, ela afirma que esses 20 milhões de dólares foram usados para contratar empregados, pagar equipamentos e demais despesas de campanha. O que liga esse fato à campanha presidencial atual é justamente a agencia de publicidade e produção Órion, na qual o presidente eleito, João Lourenço, é sócio e detém participações através de sua esposa, Ana Dias Afonso Lourenço.
O cenário atual, no entanto, é bem diferente do de 2012. O país está mergulhado em uma crise profunda, assim como a gigante da construção brasileira que continua em operação, mas tem o seu império enfraquecido no Brasil e no exterior. José Eduardo dos Santos deixará de ser presidente em breve, mas garantiu a continuidade de seu partido no poder e permanece líder do MPLA. Dessa forma, a sobreposição entre as elites econômica e política no país também continua. Enquanto estamos voltados para os escândalos de corrupção interna no Brasil, tem sobrado pouco espaço para nos debruçarmos sobre os efeitos da redes de corrupção das corporações brasileiras no exterior. Haverá espaço efetivo para investigar como estas redes ancoram o poder das elites angolanas e a inserção internacional do Brasil?