Wasp Network: contraespionagem, revolução e misoginia

A nova estreia da Netflix é Wasp Network – Prisioneiros da Guerra Fria (2019), de Oliver Assayas baseado no livro de Fernando de Morais Os últimos soldados da Guerra Fria: A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita dos Estados Unidos (2011).

O filme é protagonizado por Edgar Ramírez, Leonardo Sbaraglia, Wagner Moura, Gael Garcia Bernal e Julian Flynn, interpretando um grupo de cubanos que atuava na contraespionagem, ao longo de 1990, nos Estados Unidos. Moura e Ramirez têm como coprotagonistas Penélope Cruz e Ana de Armas. A trama se vale da perspectiva de Morais, atento aos mínimos detalhes da operação que infiltrou espiões nos grupos radicais de ultradireita anticastristas, sediados na Flórida, e se detém nos aspectos mais subjetivos dessa relação, envolvendo amigos, amores, família.

A tarefa é complexa, haja vista a maneira bastante deturpada com que sempre foi divulgada no Brasil e no mundo essa ilha caribenha, berço de uma revolução que inspirou a região latino-americana e o comunismo. Assayas cumpre bem esse papel, dando ao filme uma narrativa densa de thriller político, mas por vezes se esquiva demasiado das questões de fundo que envolvem o episódio, o que faz algumas delas soarem mais confusas do que deveriam.

Ao todo, a rede, descoberta em função de um pacto do FBI com o governo cubano, mediado por Gabriel Garcia Marquez, tinha apenas duas mulheres, às quais o diretor não dá mais do que uma cena fugidia. A surpresa, no entanto, se dá pelas duas coprotagonistas femininas, num filme de pluriprotagonismo em que as mulheres não teriam muito espaço.

Assayas coloca na tela o drama das mulheres desses heróis que eram envolvidas em suas vidas e trajetória política sem ter o direito a escolher de que lado estavam, e nem se queriam estar lá, autêntico retrato de uma geração. Em nome da segurança, elas eram “protegidas” por não saberem de nada, o que na verdade era sempre falso. Quem tem a informação pode negociar, e muitas mulheres na mesma situação em diversos países, dentre os quais o Brasil, eram usadas como escudo, caso de Ana Armas, na verdade, instrumentalizadas para servir à causa. Quanto menos soubessem, melhor, para a organização e para o País. Mas não necessariamente para as suas vidas.

Quando Roque, o personagem de Moura, declara à mídia que só lamenta ter deixado nos Estados Unidos o seu Jeep Cherokee, entrevista que é assistida em casa por uma esposa desconsolada e em prantos, que mais tarde processaria o governo cubano, certamente estava afirmando a mais pura verdade. Na vida política clandestina brasileira, o quadro era bem semelhante. Cruz consegue passar essa angústia em seu papel de esposa abandonada. Talvez esse seja um dos maiores méritos do filme, o que não é pouco.

O roteiro se vale de uma estratégia narrativa de thriller mas entrega a dor da subjetividade dos afetos, em meio a um discurso nacionalista e revolucionário. Em que pese essa tendência, o filme dá visibilidade a uma parte da história oficial que é pouco conhecida do grande público. E que já vem sendo alvo de retaliações nos Estados Unidos por parte dos grupos de exilados em Miami e de organizações da extrema direita.

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