Marco Piva
Não será a reação dos movimentos sociais que reverterá o golpe de estado em
Honduras. Por um motivo simples: a sociedade civil hondurenha é pouco
organizada e nela prevalecem as elites empresariais que, por sua vez,
subordinam os militares e os meios de comunicação. No final da década de 70
e durante a primeira metade dos 80, enquanto países vizinhos da região
passavam por fortes disputas armadas, Honduras navegava placidamente na
condição de aliado fiel da política externa dos Estados Unidos, servindo
como base militar para a ação dos rebeldes anti-sandinistas da Nicarágua. Um
incipiente movimento guerrilheiro na época foi desbaratado em questão de
semanas.
Honduras não tem movimento social organizado suficiente para reverter
sozinho um golpe de estado que se insere numa lógica interna de dominação
secular das elites. E talvez esteja exatamente aí a real possibilidade de
retorno da estabilidade democrática. Ao desconsiderar que o mundo mudou, que
a administração em Washington não tem o mesmo vigor intervencionista de um
passado recente, as elites golpistas minimizam um adversário poderoso: a
opinião pública internacional.
Hoje em dia ninguém destitui um presidente e o manda embora do país de
pijama. Nenhum governo reconheceu ou irá reconhecer a quebra constitucional
executada por generais a mando da elite empresarial e com respaldo sob
encomenda de setores do Judiciário e do Congresso. A começar da Organização
dos Estados Americanos (OEA) cuja última reunião de cúpula foi feita
exatamente em Tegucigalpa. A Casa Branca, em coro com outros importantes
governos do continente latino-americano, condenou o golpe, apesar da
ambigüidade inicial da secretária de Estado, Hillary Clinton, habilmente
aproveitada pela imprensa hondurenha (www.laprensahn.com). A condenação
diplomática, que começa com a retirada de embaixadores e a suspensão de
ajuda econômica, obrigará os golpistas a acenar, mais cedo que tarde, com a
possibilidade de uma reconciliação nacional.
Neste momento também será importante a atuação do presidente constitucional
Manuel Zelaya, ele mesmo egresso das fileiras da elite política tradicional.
Zelaya não conseguiu costurar um consenso mínimo para evitar a crônica
triste e sabida da história de golpes na América Latina. Em uma conversão
ideológica inusitada para sua biografia política, assustou seus antigos
pares ao promover uma agressiva política compensatória para a população
empobrecida do país e aderiu à ALBA com o apoio pouco entusiasmado do
Congresso, que é unicameral. A partir disso, apostou suas fichas na
radicalização de um processo democrático de base como forma de consolidar
sua liderança sobre os poderes tradicionais do país. A consulta popular
visando o apoio a uma possível reeleição fazia parte do plano e se tornou o
estopim da crise.
Zelaya acreditou ter o apoio das “massas” para as quais governava. Mas, as
“massas” em Honduras não existem de forma organizada, à exceção de um ou
outro setor sindical, de um movimento camponês restrito e de vozes isoladas
de classe média. O cenário pós-golpe mostra uma reação pouco articulada (o
endereço eletrônico da resistência é um gmail particular…).
Portanto, será a pressão externa, muito mais do que a interna, o fator que
poderá diminuir a tensão em Honduras. Governos e organismos internacionais
terão um papel muito importante para que os dois lados cheguem a um acordo.
Os próximos dias serão cruciais para a busca do entendimento visando tirar o
país da crise institucional. Provavelmente haverá um Zelaya com discurso
mais cuidadoso e uma elite mais atenta à pressão mundial. Difícil prever se
haverá um grupo vitorioso na história. Mas, uma coisa é certa: sem a volta
da estabilidade democrática nenhum dos lados terá vencido.
Marco Piva é jornalista especializado em América Central. Autor de
“Nicarágua – um povo e sua história” (Edições Paulinas) e mestrando no
Programa de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo
(Prolam/USP).