TV digital: governo próximo de um erro histórico

Foto: Miguel Igreja

Em virtude das notícias veiculadas pela imprensa, que afirmam estar o governo federal pronto para anunciar o padrão tecnológico a ser adotado pelo Brasil, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital vem a público expor à sociedade brasileira as seguintes questões:

1. Se concretizado, o anúncio da decisão a favor da adoção do padrão de modulação japonês (ISDB), no apagar das luzes do primeiro mandato do presidente Lula e em plena Copa do Mundo, significa a morte do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), cuja proposta inicial baseava-se em princípios como a democratização das comunicações, a promoção da diversidade cultural, a inclusão social, o desenvolvimento da ciência e indústria nacionais (conforme o Decreto Presidencial 4.901) e implicou no investimento de R$ 50 milhões na formação de 22 consórcios de universidades brasileiras, envolvendo 1.500 pesquisadores. Ao optar pelo ISDB, o governo despreza o acúmulo social que sustentou sua eleição e submete-se de maneira subserviente aos interesses dos principais radiodifusores do país, especialmente aos das Organizações Globo. Se levar adiante o anúncio pelo ISDB, o governo brasileiro, infelizmente – e à semelhança dos anteriores -, seguirá tratando a comunicação exclusivamente como uma moeda de troca política.

2. Apesar dos insistentes apelos para que a decisão fosse tomada a partir do diálogo com os diversos segmentos da sociedade, o governo mantém uma postura pouco democrática, privilegiando a interlocução com os representantes das emissoras comerciais de televisão e negando-se a abrir espaço semelhante às organizações sociais. À tal postura soma-se a completa falta de transparência na condução do processo decisório que ainda hoje deixa a sociedade brasileira à mercê de boatos de corredor. Chegamos ao cúmulo de nem mesmo ter acesso aos relatórios produzidos no interior do SBTVD, que ainda não foram tornados públicos. Reafirmamos a certeza de que só um processo amplo, transparente e participativo, com consultas e audiências públicas, é capaz de garantir que a TV digital seja um instrumento de desenvolvimento democrático e inclusão social.

3. O Executivo ainda não apresentou qualquer justificativa plausível que aponte o ISDB, de fato, como a melhor opção para o Brasil. Este silêncio do governo, que abandonou as frustradas tentativas de emplacá-lo por supostas vantagens técnicas ou industriais, induz a uma única conclusão: a de que essas justificativas não são defensáveis publicamente, por atenderem exclusivamente a interesses privados. O país segue sem saber se existem parâmetros – sob o prisma do interesse público – baseando as decisões governamentais.

4. Não é possível que as pesquisas desenvolvidas no SBTVD, realizadas por 79 instituições de pesquisa, envolvendo mais de mil pesquisadores, seja tratado com tal descaso. A adoção do ISDB-T descarta logo de início as três alternativas de modulação aqui desenvolvidas. A anunciada intenção de que “as pesquisas brasileiras serão incorporadas em um segundo momento” oculta o fato de que existe incompatibilidade técnica no protocolo de comunicação da camada de transporte, inviabilizando, de fato, qualquer incorporação das inovações brasileiras em algum ponto do futuro.

5. Ao anunciar a decisão, o governo perde a oportunidade de promover a necessária atualização do marco regulatório do campo das comunicações, para modernizar a legislação cuja base data de 1962 e garantir o cumprimento dos princípios constitucionais não-regulamentados, como a vedação ao monopólio e a instituição de um sistema público de comunicações. Mesmo que centrada na tecnologia, uma decisão governamental que não seja acompanhada de mudanças mínimas no marco regulatório vai contrariar a legislação vigente e certamente será questionada na Justiça. Os fatos consumados gerados a partir do anúncio da decisão não podem ser tolerados pela sociedade brasileira.

6. A sociedade brasileira perde também a oportunidade de se tornar um grande produtor mundial de conteúdo audiovisual multimídia, a mercadoria por excelência da Era da Informação. Para que pudéssemos abrir milhares de oportunidades de trabalho nessa área, seria necessário democratizar o espectro, adotar tecnologias dominadas por nossos técnicos, baseadas em software livre, adotar padrões e mecanismos que possibilitem a criação e a reprodução desses conteúdos. Nada disso está sendo considerado.

Diante ao exposto, as organizações que assinam esta carta reafirmam a certeza de que a TV digital é uma oportunidade única para promover a diversidade cultural, fortalecer a democracia, desenvolver a ciência e tecnologia nacionais e incluir socialmente a imensa maioria da população, ainda desprovida de direitos humanos fundamentais.

Temos a convicção de que, ao anunciar uma decisão por uma tecnologia estrangeira, o governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas.

Brasília, 28 de junho de 2006

Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital

Contatos:

Diogo Moyses – Intervozes – (11) 9402 0661 – diogomoyses@terra.com.br

James Gorgen – FNDC (51) 8111 7733 – james@fndc.org.br

Marcus Manhães – Sintipq (19) 8145 9895 – manhaes@cpqd.com.br

One thought on “TV digital: governo próximo de um erro histórico

  1. TV digital: governo próximo de um erro histórico
    Eu concordo com o que foi dito. Realmente, não tem havido transparência com relação às vantagens e desvantagens da adoção do ISDB-T e soou como um assalto às esperanças dos cientistas brasileiros e de muitos cidadãos que, como foi dito, foram incentivados e pagos pelo próprio Governo para desenvolver suas tecnologias de modulação digital, compressão de vídeo, etc. Mas como uma pesquisadora da PUC-RS mesma disse, o Governo não vai jogar fora tudo que investiu. Não acredito na irrevogabilidade de adaptar as pesquisas nacionais ao ISDB-T, mesmo sendo contra a adoção de um padrão internacional, pois, como sabiamente foi considerado pelo Gustavo Gindre, o Brasil terá que pagar royalties sobre a tecnologia adotada, além da possibilidade de dependência tecnológica. É por isso que eu, enquanto estudante de Engenharia Elétrica, e ávida por acalorar os debates sobre o SBTVD-T (pois estarei garantindo a cidadania de 170 milhões de pessoas e emprego para outros tantos), propus à minha faculdade, a Faculdade Área 1, Salvador/BA (http://www.area1.br) implementar uma Mostra Tecnológica sobre o SBTVD (http://www.tvdigital.1br.net), para informar e fomentar o debate. EU espero que iniciativas como a do InterVozes e tantas outras organizações, profissionais e empresas não cessem, pois, o SBTVD ainda não morreu!

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