Testemunho da Blackwater passa em branco

Erik Prince, sócio-majoritário da principal contratada do governo dos Estados Unidos para mercenários no Iraque, raramente aparece em público. O principal homem da Blackwater jamais deu uma coletiva de imprensa, e concedeu apenas uma entrevista em todo o seu histórico como líder da controversa empresa estadunidense – à Fox News, rede de televisão que abertamente se posiciona a favor de George W. Bush e da ocupação do Iraque. Em fevereiro de 2007, quando convocado para testemunhar perante o Congresso em razão de crimes cometidos por sua empresa contra civis iraquianos, ele desapareceu e despachou o seu advogado. Nas sombras até então, Prince não conseguiu evitar que no dia 2 de outubro desse ano ele aparecesse finalmente em público, em frente a dezenas de câmeras que procuravam uma resposta sobre o “assassinato premeditado de civis iraquianos”, como o próprio governo-fantoche iraquiano condenou o mais discutido crime da contratada estadunidense, em que 28 inocentes foram mortos. Entretanto, o testemunho de Prince deixou mais perguntas do que respostas.

O obscuro dono da contratante estadunidense tentou fugir do testemunho no dia 2 de outubro, mas a mídia ocidental finalmente reagiu em massa contra o crime e a notícia chegou a todos. Como resultado, Prince não teve como evitar a ouvidoria. Os jornais europeus The Guardian, de Londres, o Libération e o Le Monde, ambos de Paris, reagiram imediatamente diante da divulgação do relatório oficial do governo pró-ocidental iraquiano sobre o incidente do dia 16 de setembro. A mídia estadunidense, muito pelo contrário, se calou enquanto podia. A mídia ocidental publicou que o número de mortos foi 17, e o de feridos 22. Nada mais se falou das vítimas até então, mas sabe-se que 11 dos 22 feridos acabaram morrendo, resultando em 28 o número de inocentes assassinados pela Blackwater em Bagdá. De qualquer maneira, o poder da mídia ocidental ficou claro – se todos se calassem, como fizeram até então, Prince sairia completamente ileso novamente.

Prince afirmou em seu testemunho pré-escrito que “no Iraque, meus homens agiram apropriadamente a todo o momento”, e negou que sua empresa estivesse envolvida no assassinato de civis, dizendo que “alguns civis podem ter morrido por acidentes de trânsito”, mas não por armas de fogo. A afirmação de Prince, porém, é contrariada até pelo próprio Congresso dos Estados Unidos, que através do Pentágono contratou a Blackwater para o Iraque. Segundo o mais recente relatório oficial do governo estadunidense sobre a Blackwater, “a empresa de serviços de segurança esteve envolvida em pelo menos 195 tiroteios no Iraque desde 2005. Em cerca de 80% desses casos, a Blackwater abriu fogo antes de ser atacada”. Apesar disso, não há qualquer acusação formal contra a Blackwater sobre nenhum desses casos.

Seguindo o padrão apresentado pelo relatório estadunidense, o divulgado pelo governo iraquiano, feito sob as ordens do primeiro-ministro Nouri al-Maliki e apresentado pelo seu porta-voz, Ali Dahbagh, afirma que “não há qualquer prova de que o comboio guardado pelos mercenários tenha sido atacado, nem mesmo com pedras”. Al-Maliki, através do porta-voz, afirmou que os acusados “devem ser processados de acordo com a lei iraquiana”. A reação ao caso trouxe à tona outro aspecto polêmico desse contingente em ação no Iraque. Diferentemente dos soldados oficiais, que respondem ao código de conduta do Pentágono, os “privados” se encontram numa zona juridicamente obscura. Seu papel é regulado pela Ordem 17, assinada por Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório do Iraque e enquanto os primeiros mercenários chegavam ao país. Pela disposição (nunca revogada), “os privados devem ser imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas”.

Ainda em 2004, o Pentágono ficou em uma posição delicada quando vídeos publicados pela Resistência Iraquiana mostraram quatro mercenários mortos (contratados pela Blackwater), após estarem infiltrados em bairros xiitas de Bagdá. Outros contratados pela empresa foram detidos por forças iraquianas quando realizavam “operações de risco” em áreas não cobertas pela Blackwater, sendo mais tarde libertados por pressões estadunidenses. Para muitos, o início da sangrenta “guerra sectária” do Iraque se deve a uma estratégia do governo estadunidense, conduzida por seus “mercenários impunes”, com o intuito de enfraquecer a resistência civil à ocupação – a famosa estratégia de “dividir para conquistar”. A Blackwater teve a oportunidade de, perante todas as câmeras, desmentir todas essas teorias – ela se calou, ignorou as acusações e se protegeu atrás da Ordem 17.

FONTE:
Jornal Oriente Médio Vivo – http://www.orientemediovivo.com.br
Edição nº78 – http://orientemediovivo.com.br/pdfs/edicao_78.pdf

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