Sudão: a justiça cega
Os crimes cometidos contra os povos inocentes de Darfur representam um vergonhoso episódio da história do Sudão e dos países vizinhos, especialmente o Chade, que desempenhou um papel duvidoso em instigar o conflito. Mas não menos imoral do que isso é o papel exercido pelo Ocidente. A decisão do promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Luis Moreno-Ocampo, em pedir a prisão do atual presidente sudanês, Omar Hassan Al-Bashir, provou a completa politização do conflito e a irônica seletividade da Lei Internacional.
Tudo começou com a intervenção dos Estados Unidos, em 22 de junho de 2004, quando o Congresso estadunidense passou uma resolução declarando que a violência em Darfur tratava-se de “um genocídio patrocinado pelo Estado”. A resolução foi assinada pelo presidente George W. Bush em outubro de 2006. Entretanto, entre esse período, a ONU conduziu uma detalhada investigação do caso – ao contrário dos estadunidenses, que tomaram uma decisão precipitada sob interesse de lobistas internos. No início de 2005, a ONU concluiu que “o governo e as milícias do Sudão estão sistematicamente abusando da população civil”. O relatório final também destacava que “não há evidências de genocídio”. Apesar disso, a administração Bush manteve a postura de ignorar a ONU e incriminar somente o presidente sudanês Omar Hassan Al-Bashir, culpando-o pelo suposto genocídio.
Os Estados Unidos não são signatários do Tribunal Penal Internacional. Essa é uma decisão compreensível e lógica, uma vez que não há mais discussões entre especialistas em direitos humanos de que a invasão ao Iraque em 2003 provou-se como um dos piores crimes internacionais desde a Segunda Guerra Mundial. Mas apesar de o TPI ser, em tese, um órgão independente, é comum que as suas investigações e opiniões sejam utilizadas pelo Conselho de Segurança da ONU, dominado pelos Estados Unidos, e que os vetos para proteger os interesses políticos e econômicos da Casa Branca passem longe de qualquer critério aceito pela Lei Internacional. Nesse contexto, é simples entender porque o TPI aceitou a versão do conflito arquitetada pelos Estados Unidos, ignorando indiscriminadamente a investigação elaborada pela ONU.
O TPI foi estabelecido em 2002, antes da criminosa agressão orquestrada pelos Estados Unidos contra a nação iraquiana. Dessa forma, é no mínimo interessante que a jurisdição do “órgão independente” não inclua “crimes de agressão”. Não menos estranho é o fato de que o TPI investigou até hoje somente quatro casos: Uganda, Congo, Darfur e República Centro-Africana. Será que somente os africanos são capazes de cometer “crimes contra a humanidade”? Ou quem sabe esse “órgão independente” não tem absolutamente nada de independência, e serve somente para utilizar essas leis de dois pesos e duas medidas do Ocidente contra as nações mais exploradas?
É essa seletividade que faz do pedido de prisão emitido por Luis Moreno-Ocampo um claro exemplo de que a Lei Internacional pode ser burlada e esquecida pelos poderes ocidentais. A decisão do TPI expõe governos como os dos Estados Unidos e do Reino Unido, que enquanto condenam hoje os “crimes de guerra” cometidos por “regimes autoritários” no Sudão, Zimbábue e outras regiões de interesse, persistem a ignorar a sua própria moralidade ao cometer seus próprios crimes contra a humanidade em países menos privilegiados no Oriente Médio, África, Ásia e onde mais existir algo que interesse aos colonizadores ocidentais.
Para o Ocidente, as acusações do TPI devem servir como um momento de profunda e sombria reflexão não apenas quanto à sua inerte relação com os anos de assassinatos em massa no Sudão. A cada fato que se verifica a respeito do indiciamento de Al-Bashir, fica evidente que isso deveria ser demandado para o presidente George W. Bush e aliados dele da “guerra contra o terrorismo”. Para que o TPI e todo o aparato jurídico internacional do Ocidente sejam levados a sério, imparcialidade e igualdade são essenciais. Essas são qualidades, porém, que permanecem conspicuamente ausentes, vetadas e rejeitadas, para a tristeza e vergonha da história.
FONTE:
Jornal Oriente Médio Vivo – http://www.orientemediovivo.com.br
Edição nº114 – http://orientemediovivo.com.br/pdfs/edicao_114.pdf
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